Opinião: À Mesa com Portugal – Eu e o meu docinho

Há muito tenho o hábito de guardar o doce para um momento muito particular do meu dia, o lanche. De manhã, é o tempo sagrado do pão, do conforto que este, quentinho e a estalar, recheado com uma fatia de queijo, me dá. Não abdico do pão mesmo que algum croissant ou folhado me pisque o olho. Sacia-me e, acompanhado de um café, dá-me a energia que preciso para iniciar o dia. Já a fruta fresca e da época é o que, primeiro, me entra no estômago.
Ao almoço, sempre leve e frugal, não dispenso a sopa, essa invenção maravilhosa a que antes chamávamos caldo e condensa todo o sabor que os legumes e as leguminosas nos podem dar. As da minha mãe são as minhas preferidas pela capacidade que ela tem de misturar ingredientes improváveis e tudo saber maravilhosamente bem. No entanto, felizmente, ainda encontramos excelentes sopas por aí. Gosto da frugalidade ao almoço, pois que, tenho no meu dia o ritmo do trabalho e, na verdade, a pausa para a refeição fica entre tempos diferentes de atividade profissional. Se a manhã é intensa, a tarde não será muito diferente. Entre preocupações e objetivos, o foco está no desempenho. Por isso, ainda que o meio dia traga uma pausa, há que não abusar, pois que o estômago processa o ritmo tanto quanto o cérebro. Talvez porque estou entre correrias, raras são as vezes em que, após o almoço, me entrego a uma sobremesa, somente quando as refeições são de celebração é que aceito partilhar um docinho.
Terminado o meu dia de trabalho, vem o momento de relaxar o corpo e a mente, e aí, quase em modo ritualizado, preparo o meu lanche onde um docinho pode ser o protagonista. Digo pode, porque não o será sempre. Não acredito que o hábito quotidiano de comer açúcar possa trazer prazer ou benefícios. É precisamente porque “nem sempre, nem nunca” que um doce me sabe bem, o prazer vem da singularidade do momento e não da repetição mecânica. E até porque, se em alguns dias, é algo mais calórico e mais intenso, noutros uma fatia de folar, arrufada, regueifa, fogaça, ou outro qualquer pão adocicado sabe-me a mel.
Mas sim, é ao lanche que sinto que é o tempo do doce. O fim do ciclo do trabalho, da correria, da energia que temos de dar na entrega aos desafios profissionais. Quando como um doce não quero compromisso com o tempo ou com as obrigações. É o meu tempo, aquele em que não entra ninguém, só eu e o meu docinho.