Opinião: À Mesa com Portugal – A galinha dos Ovos de Ouro
Na história da galinha dos ovos de ouro, os ovos só são de ouro porque, mais do que alimento, eram bem de grande valor comercial. Nas famílias mais modestas, em algumas das serras portuguesas, guardavam-se os ovos para trocar por sardinha. No resto do país, seria habitual, em quase todas as famílias rurais de poucas posses, guardar os ovos para os vender no mercado ou às senhoras ricas que, por eles, pagavam bom preço. Por isso, utilizar um ovo na cozinha nunca foi ato gratuito ou irrefletido, mas esteve sempre preso à condicionante do quanto poderia acrescentar ao orçamento familiar. Talvez por isso, no passado tivéssemos as famílias que, em receitas como a Aletria, o Arroz Doce ou os Milhos, acrescentavam umas gemas ao preparado, enquanto outras se contentavam com a utilização da calda ou de leite. É que os ovos tinham outro destino que não a mesa familiar.
Nesta história, convém não esquecer como, quase até aos finais do século XIX, os ovos eram meio de pagamento de tributo ao dono da terra, obrigação ao pároco, gesto de agradecimento ao professor, ao doutor ou ao regedor. Talvez por isso, a doçaria portuguesa tenha seguido um caminho tão particular.
Lindo, lindo, eram aquelas senhoras que guardavam os ovos no arcão do milho para que se conservassem até à Páscoa para depois se fazerem os Folares, os Bolos de Azeite, os Bolos Podres ou os Pães de Ló. Por muito modesta que fosse, não havia família que, em sábado de Aleluia, não tivesse os seus bolos prontos. Era altura de celebrar o tempo religioso e pagão do renascer da vida, o terno ciclo que se renova. Na Páscoa, o ovo era um investimento na crença de que o futuro iria ser de abundância. Oferecia-se o ovo como penhora sobre o que se iria receber
Na minhas viagens pela cozinha portuguesa sempre gostei de ouvir a açorda propagada por todo o Norte de Portugal. Ao caldo aromatizado pelo alho, sal, louro e azeite, juntava-se um ovo batido para que, na água quente, ficasse esfarripado. Por entre o pão embebido naquele caldo, soltavam-se os fiozinhos de ovos a dar cor a um prato simples. O ovo era aqui alegria de dias difíceis, de trabalhos árduos no labor agrícola. Era, por isso, pé de meia sempre pronto a alimentar.
O ovo é uma riqueza. Na troca, na venda, na oferta, na promessa, no pé de meia, o seu valor sempre foi bem cotado. É por isso que gosto tanto da história da galinha dos ovos de ouro. Mais do que a conclusão moral, é o que ela nos conta acerca da história deste produto maravilhoso que é o ovo.



O que mais gosto num bitoque é este vir com um ovo “a cavalo”… Agora a sério, gostei do texto, sobretudo da forma usada pela autora, em que, criativa e elegantemente alia a história à fábula do “ovo de ouro”. No