diario as beiras
opiniao

À Mesa com Portugal – A Alheira é uma Açorda

08 de novembro às 12h41
0 comentário(s)

A alheira é uma açorda. Literalmente. Quem não sabe como se faz uma alheira, eu explico. Cozem-se uns ossos do porco que tenham sido salgados e juntam-se as carnes que temos por casa. Uma galinha, uma perdiz para os mais sortudos, ou uma outra peça de caça. Tudo bem temperado, coze demoradamente. Depois, é retirar as carnes, desfiá-las bem e, momento bem importante do processo, migar o pão, de trigo pois claro. A este pão migadinho juntar o caldo da cozedura e deixar abeberar bem, as carnes vêm depois e um qualquer tempero que, cada família ou comunidade, gosta em particular. Por fim, enchem-se as alheiras e vão para o fumo uns dias. A alheira é, por isso, uma açorda que é ensacada e posta ao fumeiro.
Gosto tanto desta conclusão, não pelo facto em si, mas pela forma como a arte culinária se produz e reproduz, no tempo e no espaço, na arte e no engenho de fazer melhor. Quase como uma equação, pouco por repetição. Posto o problema, há que olhar os recursos e decidir a melhor forma de resolver a equação. Às vezes, adiciona-se, outras subtrai-se, quase sempre se multiplica o pouco de modo a ficar muito e dá sempre para dividir.
Por isso, as alheiras não têm de ser só de caça ou só de galinha e, sim, levam sempre carne de porco. O princípio foi usar os ossos, depois cada casa usava o que tinha. Cada região, cada comunidade, cada família, decidiu se a queria mais abeberada e, por isso, mais solta e húmida, ou mais seca. A decisão não foi divina, mas humana. Não há, assim, uma receita, existem receitas. Compreendê-las é meio caminho andando para receber melhor o seu sabor.
E, na minha opinião, as alheiras não foram criadas pelos judeus. Esta comunidade religiosa apenas aproveitou o facto de ser o enchido que menos carne de porco leva e a partir do qual seria fácil improvisar um enchido de aves. Ter alheiras em casa era sinal de que tinham renegado o judaísmo e abraçado a fé católica. Contudo, os exemplares que se exibiam como prova não continham a carne de porco, sendo possível disfarçar a sua ausência ao contrário do que aconteceria com um qualquer outro como chouriços, paios, morcelas ou moiras.
Como sempre a equação era fácil. Um problema de partida. Uma subtração que salvou a vida a muitos e fez da alheira um símbolo da nossa cultura gastronómica. Maravilhoso Portugal Gastronómico.

Autoria de:

Olga Cavaleiro

Deixe o seu Comentário

O seu email não vai ser publicado. Os requisitos obrigatórios estão identificados com (*).


opiniao