Opinião: A mudança de chip na educação

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Nos meus remotos tempos de metodólogo, na área da Didática das Línguas Estrangeiras, uma professora à beira da reforma confessou-me as suas angústias, consciente de que não ensinava de acordo com as últimas orientações. Estávamos na transição do “método tradicional”, assente na leitura e tradução de textos de autor, para o “método direto”, que privilegiava a comunicação oral e escrita do dia a dia. Perante as circunstâncias, o meu conselho foi simples: “ensine como sabe ensinar bem e como se sente segura”.
Muitos professores vivem hoje o mesmo dilema. As tecnologias geradas pela 3ª Revolução Industrial viraram o mundo do avesso e quem sempre navegou em águas tranquilas tem receio de se arriscar entre ondas alterosas. Se um professor hoje, nas mesmas circunstâncias, me fizesse a mesma pergunta, eu não saberia responder. Como se converte um professor nascido e formado no mundo analógico para ensinar crianças e jovens que nasceram e cresceram no mundo digital?
Estamos a entrar n 4ª Revolução Industrial, tecnologias desconhecidas do grande público, mas muito focada na Inteligência Artificial, que assusta, gera inquietações, desconfianças, ameaças e perigos. A Inteligência, a marca exclusiva do ser humano, o que pensa e define o rumo, está agora ao alcance de uma máquina, retirando o humano do seu pedestal de ser superior. Confiança e insegurança frequentam agora as mesmas salas na escola.
O digital é uma passagem obrigatória. Não depende da escola, é o mundo em que vivemos. Não é a escola que decide se o futuro será em livro, no papel, ou no computador. Todos sabemos a resposta, mas as memórias, os afetos, os sentimentos de quem aprendeu nos livros dos seus encantos tem dificuldade em conceber a escola noutro formato. Os livros da infância são tesouros guardados na memória.
Recentemente, uma professora formada à margem do digital e das suas tecnologias receava que o deslumbramento com o computador e o smartfone, e agora a IA, fechassem a porta à leitura em geral e muito particularmente dos “clássicos”, dos consagrados da nossa literatura. E acrescentava, e bem, que os múltiplos canais de televisão, incluindo a RTP, do Estado, eram absorvidos pela publicidade, pelos jogos de futebol, pelos longos programas de discussão e análise aos jogos, pelas telenovelas, pelo big brother e outros programas que esvaziam a cultura e aumentam o embrutecimento das populações. “Programas de xaxa”, concluía. Perguntei-lhe, com cautela, o que é que a sua escola fazia para atenuar este descaminho.
As escolas estão exaustas, incapazes de fugir aos programas obrigatórios e aos exames que controlam o cumprimento dos programas, fustigadas por greves “dia sim, dia não”, e com a fuga crescente de professores. Tinha razão, muitas escolas acusam o cansaço e sentem a humilhação de não poderem dar a resposta desejada. Os professores, acrescentava, são hoje a classe mais desprezada. É triste dizer, mas há muito tempo que não leio um livro pelo prazer de ler.
E pensei, uma escola que não lê nem estimula a necessidade e o gosto de ler terá mais a ver com um programa de big brother do que com um espaço onde se formam pessoas, onde se constrói o saber e se estimula o pensamento crítico, onde se trocam experiências, onde se promove a partilha e a solidariedade, onde se constrói o mundo em parcerias que se unem e completam. A leitura é a base de sustentação da escola, sem leitura não há escola.
A crise de leitura não é um fenómeno português, sente-se e sofre-se em geografias variadas. No Reino Unido, o dia nacional da leitura celebra-se a 12 de abril para lembrar as famílias que a leitura é uma prioridade. O título do evento é original e estimulante: DEAR: “Drop Everything and Read,” (Para tudo e lê), e muitas escolas, sentindo que os seus atores deixaram de ler, fizeram do DEAR um programa diário, determinando que a uma certa hora do dia tudo para na escola, permitindo a todos, – alunos, professores, administrativos e auxiliares -, ler durante um período variável, entre 10 minutos a uma hora.
Ler é uma prioridade. Um dos estímulos adotados em muitas escolas é o de comprometerem as crianças e jovens a lerem um livro de sua escolha por semana. Leem em casa, mas na escola são convidados a dar conta da sua leitura, numa breve apresentação e apreciação. As bibliotecas estão apetrechadas para dar resposta aos pedidos dos alunos e o Plano Nacional de Leitura, entre nós, tem sugestões e orientações para todas as idades. Quando me pedem conselho para aprender a ler e escrever bem, a minha primeira “receita” é simples: “Para ler e escrever bem, é preciso ler muito e escrever muito”. No papel ou no ecrã? É irrelevante. Importa lembrar que nunca se escreveram nem leram tantos milhões de mensagens como se escrevem nos smartfones. E que hoje todos os jornais, mesmo os que ainda circulam em papel, têm o universo de leitores online como nunca atingiram em papel. Este é o futuro previsível da escola. Daí não virá mal ao mundo se continuar a ser um local de encontro, de convívio, de partilha, de cooperação, de solidariedade, de afetos.

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