Opinião: “A tradição de Coimbra”

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Apesar da “paragem que sofreu no tempo”, Coimbra nunca deixou de ser Coimbra, aquela fonte inspiradora e bela para quem nela vive. Coimbra e a Fonte dos Amores dos poetas, o Penedo da Saudade com as placas-memórias de despedidas, o Jardim Botânico e os seus bancos de namorados, o Choupal e os passeios calmos junto ao rio, o bulício dos estudantes, as guitarras e o fado das serenatas ao luar, a velha Torre e o toque da “cabra”, a Universidade. O fado de Coimbra é saudade, nostalgia e tristeza, mas é também devoção, sonho, amor … e já foi arma de contestação e luta pela liberdade!…
Percorrer as ruas e as calçadas “quebra-costas” coimbrãs, de Santa Cruz, Porta de Almedina ou Torre de Anto até à Sé Velha e Universidade, atravessar a Porta Férrea e ficar no Páteo da Alcáçova a contemplar a Universidade ou a olhar para o rio, sempre foram temas que inspiraram escritores, pintores e grandes poetas que aqui viveram ou por aqui passaram, com momentos que constam e continuarão a constar do inventário desta cidade. Cidade com tradições que academicamente se distinguem das demais cidades universitárias do País, pela simples razão de que foi aqui que as verdadeiras tradições académicas nasceram e todas as demais são cópias, algumas muito mal copiadas e com pouco sentido de tradição universitária.
As duas principais e mais tradicionais festas da Academia Coimbrã sempre foram a “Latada”, que simbolicamente representa a “recepção aos caloiros” (e, por isso, se realizava em Outubro/Novembro), e assim chamada porque, em cortejo festivo, aqueles vão arrastando latas pelas pedras das ruas da cidade e a “Queima das Fitas”, antes denominada a “festa dos quartanistas”, porque representava o fim do curso e a despedida de Coimbra (e, por isso, se realizava em Maio), tanto que a finalizar a serenata era tradicional o “Fado da Despedida”.
Nomeadamente a Queima das Fitas – festejada há dezenas e dezenas de anos e só interrompida após a crise académica de 1969 até ao pós-25 de Abril – sempre foi a verdadeira festa da cidade. Festa dos estudantes, era partilhada com toda a população. A cidade quase parava, os comerciantes vinham para a rua, os familiares chegavam de toda a parte para partilhar a sua alegria e o seu orgulho com os filhos. E o cortejo iniciava-se pelas 15 horas junto à velha Universidade, descia até aos Arcos para aí, em palco preparado para o efeito, receber as honras do Reitor e autoridades civis e militares de Coimbra, seguia pela Praça da República, descia pela Sá da Bandeira até à Câmara Municipal e, entre o aplauso dos comerciantes da Ferreira Borges e Visconde da Luz, terminava na Portagem, já tarde, muito perto das 20 horas!… A Pandemia foi uma ave negra cujas asas cobriram tudo de uma sombra triste e traumatizante … e a Queima das Fitas não escapou! Pura e simplesmente não houve Queima.
Lógica, por isso, a impaciência estudantil, a sua vontade de celebrar as suas tradições, de celebrar as suas festividades logo que o desanuviamento do confinamento o permitiu! Só aSerá correcto que Academia faça na mesma altura a “Latada” e a “Queima das Fitas”? Receber os “caloiros” ao mesmo tempo que se festejam os “doutores” não será uma adulteração da verdadeira simbologia, da tradição, que assim é posta em causa? E que dizer de um “cortejo” (não se soube bem se de “latada” se de “queima”) que não percorre a cidade, que não se mistura com os cidadãos não estudantes, antes começa e acaba, antes se fecha, naquilo que hoje se chama a “Praça da Canção”?
Não gostei de ver! Assim como não gostei de ver o trajo académico, que outrora era vestido com todo o orgulho e rigor, com batina (os rapazes) ou casaco (as raparigas) vestidos e capa aos ombros, com estudantes a decorar esta cidade quais flores frescas a decorar os seus jardins, naqueles dias transformados em rapazes em camisa, sem batina e com a capa feita num rolo traçado à volta do pescoço ou pela cintura, em raparigas em camisa, sem casaco e igualmente com a capa feita num rolo à volta da cintura!… E não gostei de os ver também misturados com, talvez caloiros, “vestidos” com arremedos que se pretenderiam cómicos, mas sem sentido, em carneirada e nem divertindo nem se divertindo, desrespeitando tudo e mais alguma coisa dentro de uma pandemia que, ilusoriamente, todos pareciam querer esquecer que ainda existe!
O que vi não foram estudantes que, como flores frescas e de muitas cores, procuravam decorar os jardins de Coimbra, antes me pareciam caules estragados, que perderam as flores, pondo em dúvida a natureza dos seus frutos!… Oxalá que, pelo menos, tenham conservado as suas raízes e amanhã voltem a lembrar-se das árvores que têm de ser para honrar as Faculdades que frequentaram e servir a sociedade que para eles olha como o seu futuro!

Pode ler a opinião de Maria Helena Teixeia na edição impressa e digital do DIÁRIO AS BEIRAS

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