Opinião – A gargalhada de Marx

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Simples são as regras do Reino Animal, ali onde a sobrevivência depende dos dotes naturais. Num mundo de tão transparentes regras já se sabe que, havendo confronto de existências, é melhor nascer-se gato do que calhar na condição de rato. Já no reino dos humanos – que por vezes se comportam como pertencentes ao reino dos deuses – a prevalência rege-se por regras que não são as do tamanho ou da excelência dentária. Pertence, pois, à História a marcação das regras por que se orientam fraquezas e fortalezas, tão grande nos calhou ser a paleta das possibilidades. Por isso, quando o hominídeo de 2001 Odisseia no Espaço percebeu que a matéria – um osso – era capaz de estabelecer uma relação de poder, deu a herdar ao Homem a ideia da invenção da Economia. Hoje convertida em papão, a economia não é mais do que o mundo criado a partir do uso daquele “osso” do filme de Stanley Kubrick: um cenário da existência, da disposição do que existe e será – depois de transformado pelo trabalho – repartido por quem se senta à mesa da Humanidade.
É, por isso, na colheita deste campo, a Economia, que residem as pertenças dos humanos e (sobretudo no nosso tempo de zanga dos Elementos) dos equilíbrios na Natureza, esta sim, a verdadeira dona disto tudo – incluídos os que julgam administrá-la. Caberá, pois, à mal-afamada Política decidir o manejo das alfaias (e, entre estas, a da igualmente mal-afamada Finança), para que se repartam as sortes pelas bocas precisadas; ou, em alternativa, se entorne a malga das riquezas para apenas pouca gente, ficando os demais à espera, ou em luta por melhor sorte. Definições da magistral criação há-as por aí para os mais diversos gostos. Eu gosto daquela que ainda hoje o João Pedro Ferreira pregou no mural-de-dizer-coisas do FB: “a economia é uma ciência social e existe para servir as pessoas e não para ser a matemática da maximização dos lucros e da ausência de discussão política”.
Diz bem o João Pedro, mas o seu dizer não corresponde à intenção e prática dos donos dos dinheiros mundiais, para quem a economia é uma ciência social e existe para, servindo-se das pessoas, ser a matemática da maximização dos lucros e da ausência de discussão política. Quando Brecht perguntou “o que é roubar um banco, comparado com fundar um banco?”, para caraterizar a celebrada ferramenta financeira, traduziu em poucas palavras as inquietações de hoje e de há muito. Porque sendo certo que de um Banco não sai nem um grão que se coma e veja, pertence hoje à Banca a responsabilidade pelo derrube de searas inteiras da riqueza mundial, sob a forma de “bolhas” e demais jogos de casino de cujo resultado se fazem depender saúdes e maleitas das economias de por-todo-o-lado.
Passaram-se já trinta anos após o anúncio do fim da História, com que o norte-americano Francis Fukuyama celebrava a expansão mundial do neoliberalismo e “o fim da evolução sociocultural da humanidade”. Correu-lhe mal. À “terra das oportunidades” não lhe bastou o rótulo para os seus habitantes se sentissem abrangidos. Das ruínas da desilusão com Obama e da boçalidade com Trump surge agora vigoroso o discurso socialista de Bernie Sanders, revelando-se o admirável espetáculo do susto do grande Capital, reunido à pressa em torno do seu fantoche (Joe Biden). Desafiando verdades ainda há pouco absolutas – as da morte das dimensões “direita” e “esquerda” – no Partido Democrata dos EUA surgem, transparentes, a esquerda de um lado e a direita do outro (ainda que cada destes campos sangre de contradições). É a luta entre o establishment e os ninguéns, segundo Galeano. Do cemitério londrino de Highgate, da campa de um tal Karl Marx, diz-se que chegou à superfície uma sonora gargalhada.

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