Opinião: Marine, Bannon e os extremismos de esquerda e direita

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Quando alguém organiza um evento privado e solicita apoio público, tenho o direito e o dever, porque sou contribuinte, de ter opinião e de pedir explicações sobre as decisões tomadas. Quando foi decidido apoiar a Web Summit, este era anunciado como um encontro em que se reuniam as 40-50 mil pessoas (ligadas a tecnologia, start-ups e empreendedorismo) que iam mudar as nossas vidas nos próximos 10 anos. Dizia-se até que não estavam lá os primeiros-ministros ou os CEO das petrolíferas, mas estavam lá o Musk (Tesla), o Systrom (Instagram), o Rad (Tinder), o Nadella (Microsoft), o Pichai (Google), o Cook (Apple), etc.

Nesses primeiros tempos de euforia, Paddy Cosgrave foi citado a dizer a empreendedores portugueses: “vocês partem em vantagem, aproveitem… misturem-se nos bares de hotel e falem sobre as vossas empresas e ideias”. E dizia ainda às autoridades nacionais e de Lisboa: se proporcionarem experiências agradáveis de Portugal e de Lisboa, não só mostram o vosso país e a sua capital, como têm tempo de antena para passar as vossas ideias e políticas de atração de investimento direto estrangeiro.

De certa forma isso justificava o investimento público. Eu nunca fui grande entusiasta deste tipo de eventos, até porque penso que é tudo uma máquina de fazer dinheiro para os organizadores, prometendo ganhos gigantescos para o país que serve de palco, os quais nunca se chegam a concretizar. Os ganhos tangíveis nunca são medidos e os intangíveis são anunciados sem nenhum tipo de sustentabilidade. Os participantes fazem turismo e injetam, nos 3-4 dias do evento, cerca de 50 milhões de euros na economia. Ou seja, baixo investimento e elevada rentabilidade.

No entanto, surpreendentemente (pelo menos para mim que nunca prestei grande atenção à Web Summit) e ao contrário do que era anunciado, começam a aparecer políticos no evento. E se alguns se justificam, pois têm intervenção nas áreas da educação, empreendedorismo, ciência, etc., outros não fazem o menor sentido.

Na semana passada apercebi-me que Marine Le Pen era uma das oradoras convidadas de 2018. Sendo líder de um movimento de extrema-direita, a sua presença num evento sobre ideias para o futuro não fazia, pelo menos para mim, o menor sentido e colocava em causa o apoio público ao evento. Muitos discordavam e argumentavam: “Marine Le Pen é pouco ou nada recomendável? Sim. É um perigo para a democracia e para a UE? Sem dúvida. (…) Ao contrário do que muitos pensam, não seria uma vinda a Lisboa que normalizaria o fascismo ou a extrema direita, o que normaliza esses movimentos são os votos, são a assunção de parte do discurso extremista por partidos democráticos, é o medo do confronto de ideias, mesmo com gente desprezível” (Ricardo Costa, Expresso).

O que normaliza a Marine e outros não são os votos, isso dá-lhes legitimidade, mas sim relacionar aquilo que defendem com “futuro”, considerar que o que dizem tem de ser confrontado no plano das ideias e que tenha deixado de ser, inacreditavelmente, algo tão asqueroso e desprezível que mereça outro tratamento que não a imediata rejeição. Isso sim está a normalizar estes movimentos extremistas, o que é muito desanimador e perigoso. Que as tecnologias estejam a contribuir para essa normalização é muito significativo e merece atenção. Mas isso não se faz trazendo a debate as “ideias” extremistas, mas antes faz-se refletindo sobre as estratégias de manipulação que usam tecnologia de ponta para espalhar essas “ideias”. Ou seja, faz-se ouvindo atentamente os “tecnológicos” que realizaram estratégias que usam a tecnologia para manipular pessoas em massa. Nesse aspeto, percursos como o de Steve Bannon, por exemplo, são bem representativos. Não sobre o que “pensa” Bannon, esse sim um tipo muito mais perigoso que Le Pen, mas sobre como está a reunir especialistas em tecnologia para normalizar “ideias” que destruíram futuros, muitas vidas, conduziram a retrocessos civilizacionais e nos colocaram perto do fim. Confundir tudo é só uma forma de desproteger a democracia e a liberdade.

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