Opinião: A “estória”do frigorífico que não tinha rodas II

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Luís Santarino

Apelando à minha boa vontade e espírito de sacrifício, pediram-me para que me deslocasse ao local do crime.

Digo-vos sinceramente que, subir aquela porradaria de degraus não é tarefa para um novo, quanto mais para um velho…ou idoso, como lhe quiserem chamar.

Lá estavam, e acho que ainda estão, os dois manguelas, lado a lado. Podiam ao menos ficar frente a frente. Mas qual quê? Já não há respeito por frigoríficos!

Cumprimentei-os, cerimonioso, com o respeito que devo a novos e velhos, não tendo conseguido aguentar uma gargalhada sonora. Semelhante àquela mesma gargalhada que o “Senhor Jesus” ensaiou quando o velho Frei Santo António, lhe disse: “é um passarinho Senhor, é um passarinho”, quando um par de namorados trocava um beijinho!

Verdadeiramente espantoso o que me contaram.

O velho já estava a ficar farto do novo e o novo fartinho das resmunguices do velho.

Quero ir descansar, dizia o velho. Vais ter de aguentar, dizia o novo.

Só que um e outro, lá no fundo, estavam a ficar fartinhos de estar por ali sozinhos. Um a trabalhar e o outro a gozar uma reforma choruda. Sim, porque isto de nem ter direito a férias, sempre cheio a abarrotar e com o motor a trabalhar, prejudicando-lhe o sono, não era para menos.

A tal das “entregas” falava com os seus botões, continuava a escrever aos aldrabões e ao mesmo tempo continuava a vociferar.
Até que o mais novo lhe disse:

“Olhe lá, ó Senhora, porque é que não arranja uma série de roldanas, forma um sarilho, e manda o velho por aí abaixo? Até podia aproveitar, metia uns carris – semelhantes aos que tiraram da linha da Lousã – e o velho “ia por aí abaixo”!

Eh lá, interrompe o velhadas. Isso não. Isso é uma “geringonça marada”. Alguma peça está mal oleada e, quando alguém der por ela, acordo de manhã escaqueirado ao fundo da escada!

Não é uma geringonça. Chama-se “sarilho”, disse.

Ah. Quer dizer com isso que uma “geringonça” não pode ser um “sarilho”?

Pode. E dos grandes. Mas enquanto o “pau vai e vem folgam as costas”!

Mas, verdade verdadinha, os dois continuam em boa companhia. É tão boa que sai de manhã e entra já noite dentro.

Vem tão cansada que nem abre a boca, a coitada. Deve passar o tempo a falar. Às vezes tenta cantar. Mas como começamos a balançar para abrir a porta e os frescos começarem a cair, ela esquece-se!

Era o que faltava, agora. A cantora a perturbar o sossego dos frigoríficos.

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