Opinião – Rankings: Pão e Circo

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Paulo Simões Lopes

 

A história é generosa em descrições de episódios de manipulação e controlo da opinião pública. “Pão e Circo” ficaram associados ao mais conhecido de todos: A queda de Romulus Augustus aos pés do bárbaro Odoacro. Enquanto “Roma” se desmoronava como um castelo de cartas, a aristocracia acalmava a ira da população e as revoltas sociais com alimento e divertimento, para o caso, com a distribuição de cereais e a promoção dos espetáculos de arena.
Apesar da técnica ser antiga, na década de 80 do século passado, num documento esquecido numa fotocopiadora militar e atribuído ao grupo Bilderberg, “Armas silenciosas para guerras tranquilas”, foi possível encontrar um tutorial sobre como controlar a opinião pública através da manipulação mediática, utilizando a estratégia da distração. As passagens são explícitas: “A regra geral é que há um lucro na confusão […]. Portanto, a melhor abordagem é criar problemas e depois oferecer soluções […]. Manter a atenção do público distraída, longe dos verdadeiros problemas sociais”
Ocorre-me esta introdução pelas “reformas” constantes a que está sujeita a educação, sempre a pretexto do que não é essencial: Fecham escolas para fortalecer outras, quando deveriam melhorar os resultados de todas; atacam projetos educativos com taxas de sucesso elevadas quando deviam combater o insucesso; prometem a gratuitidade dos manuais escolares, mas não avaliam a Ação Social Escolar; usam decretos para diminuir o número de alunos por turma ao invés de confiarem esta gestão às escolas; mudam os currículos pedagógicos sem consolidarem e avaliarem os existentes; destroem um sistema de avaliação externa às escolas sem que tenham sido criadas as condições para se proceder a uma avaliação alternativa e independente; valorizam a taxa de retenção escolar ao invés de reconhecer o extraordinário papel dos professores nos resultados do TIMSS 2015, no TIMSS Advanced 2015 e no PISA 2015; introduzem novos parâmetros na avaliação externa às escolas para privilegiar a hierarquização das escolas públicas mas as privadas continuam maioritariamente à frente. Enfim, destrói-se por questões puramente ideológicas, não existem pactos na educação, não se aprende com a prática, não se corrigem os erros e a discussão quase que se resume a variáveis orçamentais, quando todos sabemos que formar um cidadão é muito mais que produzir uma mercadoria.
Se insistem nesta abordagem, há que ter presente que a despesa com o ensino não superior ronda os 6.000.000.000€ e que a sua distribuição obedece, regra geral, a uma relação de 80% para despesas com pessoal e 20% para despesas correntes e de capital, pelo que ficamos obrigados a recentrar a discussão no custo e nas competências do professor, como refere Joseph Zins em “Building academic success on social and emotional learning: what does the research say?”.
Saltemos por cima da lista interminável de fatores que influenciam a educação e o sucesso escolar e relevemos aqui a “qualidade” dos professores ou, como apontou Joaquim Azevedo na “Organização da escola e promoção do sucesso escolar” (CNE), os “professores mais experientes”, porque é do desempenho destes que mais dependem os resultados escolares, conforme afirma MaKinsey, em “How the world’s best-performing school systems come out on top” ou Raymound e Negassi, em o “Quinto Compromisso”, na meta-análise de cinquenta anos de investigação em educação “What Helps Students Learn? Spotlight on Student Success”, ou ainda, em “Measuring the Impacts of Teachers I: Evaluating Bias in Teacher Value-added Estimates”, com uma análise ao desempenho do professor e o impacto produzido pela sua entrada e saída nas avaliações quantitativas da sua turma.
Assim, com a certeza de que a qualidade de um sistema de ensino não pode exceder a qualidade dos seus professores, como pode o ME capacitá-los para acolherem, acompanharem, distinguirem, interpretarem, orientarem e agregarem o conhecimento de hoje? Se nem todos são suficientemente eficientes e eficazes; se nem todos têm o dom da imaginação para sugerir e o conhecimento para enriquecer; se nem todos exercem a educação inclusiva e, portanto, diferenciada; se nem todos conseguem motivar e cativar os alunos, urge interrogar: Por onde começar para que todos se tornem ainda melhores na sua missão? E, já que falamos em motivação, como premiá-los de modo efetivo pelos seus sucessos? Como reconhecer-lhes o esforço e a dedicação de forma equitativa, quando muitas vezes o seu sucesso fica limitado à análise estática dos rankings e aos resultados obtidos por quem não quer aprender?
Quatro décadas depois da “grande, urgente e decisiva batalha da educação”, da democratização do sistema educativo, do reconhecimento do professor como “a raiz da vida nacional”, das múltiplas reformas e das múltiplas soluções já desenhadas para cada uma das provocações que aqui deixo, quantas mais “reformas” virão para desviar a razão do essencial, destruir o funcional e propagandear o acessório?

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