Opinião: O mar salgado

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Ó mar salgado, quanto do teu sal /
São lágrimas de Portugal!

A Pátria é a terra natal e a adotiva. Não é imposta, mas evoluiu de um desequilíbrio feudal na península Ibérica que teve de encontrar formatos de sobrevivência. Numa imensa azáfama secular, confundem-se personagens de alma lavada e os palradores. Uns envoltos em honra, outros em ignomínia. Uns fazendo, outros desfazendo. Uns procuraram o bem-estar social, outros o bem próprio e da sua comitiva. Não nos faltam personagens! A maior parte ficou conhecida depois de Gil Eanes enfrentar o cabo do medo. Dobrado o Cabo Bojador, iniciámos a conquista das rotas da Índia e do Brasil, a quem demos o nosso sangue que mais tarde faltou no domínio Filipino. A Pátria é tudo isto: os traidores e os heróis, os desertores e os mortos.
25 de abril de 1961 (Quantas noivas ficaram por casar / Para que fosses nosso, ó mar!). A Pátria é um dever entre o berço e o caixão. Não se escolhe e aconteceu, num pequeno posto administrativo a norte de Angola, em Mucaba, nos confins do então imenso Portugal, impreparado para uma guerra indesejada. Ao ataque em força dos independentistas, heróis, de arma numa mão e enxada na outra, pouco mais de 30, resistiram, sabe-se lá como, durante treze horas. Quando os reforços aterraram em Mucaba, encontraram centenas de terroristas prostrados por terra e alguns Portugueses silvados por “balas” a honrar outras praças que “não se rendem senão depois de todos mortos”. Do grupo de sobreviventes, que matou para não morrer, sobressai a figura do chefe do posto Português, o Cabo-verdiano Hermínio Sena, elevado ao símbolo perfeito de um império ´orgulhosamente só´, que não se verga. À glória de uma Pátria que não esquece os seus heróis, como em Thermópylas, num monumento em Mucaba deveria estar gravada a mensagem: Ide dizer a Lisboa, foi aqui que se iniciou a maior luta de ideias por Portugal, a coincidência de que, se não se promover a prosperidade dos seus indivíduos, a Pátria perde o seu substrato agregador e arrisca-se a desaparecer.
25 de abril de 1974 (Valeu a pena? Tudo vale a pena / Se a alma não é pequena). A Pátria são pequenas e grandes coisas. Não é uma ocasião, fluiu na capital do ainda império, na madrugada que poucos previam, muitos desejavam e os restantes temiam. Perto do Cais do Sodré, as forças fiéis ao regime, nos temíveis blindados M47 Patton, que iam em direção ao Terreiro do Paço, dividem-se. Pato Anselmo segue pela Ribeira das Naus e, na tensão do instante, apesar dos seus canos longos contra os canos curtos, acaba por render-se ao seu colega de curso, Jaime Neves, que tinha acabado de neutralizar o Ministério do Exército com granadas de mão descavilhadas. Na outra metade dos M47, na rua do Arsenal, Junqueira Reis ordena a Fernando Sottomayor que dispare sobre Salgueiro Maia. Recusou. Deu-lhe ordem de prisão. A seguir ordena ao apontador que faça fogo. Recusou e fechou-se dentro do carro de combate. A célebre imagem de Salgueiro Maia a cerrar os lábios, traduz emoção e o marco na revolução. Depois, Jaime Neves, apesar de uma arma apontada ao peito, entra no quartel-general da Legião Portuguesa na Penha de França e Salgueiro Maia toma o Quartel do Carmo com uma chaimite desarmada. À glória de uma Pátria que não esquece os seus heróis, como em Mucaba, num monumento no Terreiro do Paço, deveria estar gravada a mensagem: Ide dizer a Luanda, Lourenço Marques, Bissau, São Tomé e à Praia, foi aqui que se iniciou a maior luta de ideias por Portugal, contra os insultos e os sacrifícios de uma Pátria e dos seus soldados.
A Pátria é um espaço cultural e afetivo. Não é um fardo! Paira nas frases de “E Depois do Adeus”, retiradas das cartas que Niza enviou de Angola, a Isabel, e, na composição do Zeca, com o som dos pés dos Grandolenses ecoando o chão; nasce nas campanhas Moçambicanas de Mouzinho de Albuquerque, na longínqua aldeia fortificada de Chaimite do antigo Império de Gaza e nos versos de Ary dos Santos, “pode nascer um país do ventre duma chaimite”; rompe da ingenuidade de Celeste Caeiro, a empregada de mesa que, ao invés de satisfazer o pedido de um cigarro, “cravou” o cano da G3 e criou o ícone da revolução. Alberga homens de todas as religiões, raças, línguas, costumes. Instila os políticos de verdade, os democratas à esquerda e à direita e também os dos extremos, os do festim da saudável divergência, que não participou nos sacrifícios de abril… é a Pátria, “tudo o que lhe pertence nos cabe” e, só nela “a sua respiração é plena, o seu instinto sossega, a sua inteligência fulgura, o seu passado tem sentido e o seu presente tem futuro”.

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