“Quem for eleito ficará com estas obrigações, ou com outras, desde que seja para recentrar o edifício escolar em quem precisa de aprender e não em quem já sabe. Desde que se obrigue a melhorar o estatuto do aluno sem o obrigar a ficar no seu espaço social de origem independentemente da sua vontade. Ficam com essa obrigação porque Deus só dá fardos a quem os pode carregar.”
Começo este texto como acabei o último, porque, entretanto, a Fundação Manuel dos Santos promoveu o debate “De que escola precisamos?”, com David Justino, Maria Mota e Joaquim Sousa. Este é o professor que chegou em 2009, à EB123/PE-Curral das Freiras, e encontrou tudo no sítio certo para dar errado e, a propósito, a Fundação reeditou o artigo assinado por Márcio Berenguer, “Uma escola onde cabem todos os sonhos”, que começa assim: “Quando cá cheguei, existia nestes miúdos a ideia de que o filho de um agricultor estava condenado a ser agricultor […] Vi ali um laboratório para aquilo que eu acredito que a escola dever ser: um lugar de igualdade e de oportunidades que permita projetar e elevar as pessoas” (Público, março de 2016 ). Os maus resultados no primeiro ano traçaram o rumo: em vez do facilitismo, a exigência, apesar de 92% dos alunos beneficiarem de Ação Social Escolar e de não haver sustento no lugar, para além da produção hortícola, castanhas, cerejas ácidas e um presépio no natal. Se fosse um lugar fácil, os corsários franceses tinham perseguido até ao Curral as religiosas do Convento de Santa Clara. Mas, na avaliação externa, a escola saiu da posição 1207 e posicionou-se ao lado das melhores escolas do estado. Agora o professor já não pede, exige: “estes alunos têm sonhos, têm direito a ter todos os sonhos do mundo e a nós cabe ajudar a concretizá-los”. Berenguer, bem, relembra Álvaro de Campos: Não sou nada. | Nunca serei nada. | Não posso querer ser nada. | À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.
Apesar de, em janeiro, a maioria dos professores ainda estar a adaptar-se à rudez do meio (ou a tentar o destacamento para outra escola), é graças aos seus desempenhos que mais depende a realização destes sonhos, conforme aliás já concluiu, por exemplo, “Measuring the Impacts of Teachers I: Evaluating Bias in Teacher Value-added Estimates”. Acresce a matriz identitária da escola: uma política de maior responsabilidade e de menor tolerância; apoio aos alunos no horário letivo; inexistência de TPC; viagens motivacionais; horários alinhados com as passagens dos autocarros; métodos de ensino individuais; atividades extracurriculares que promovem a cidadania; um salão de jogos; uma sala de Informática, sempre aberta; um porto de abrigo, onde a comunidade se ancora todo o ano. Enfim, um “elevador social” que desamarra os miúdos do triste fado daquele navio.
Não lamento um centavo dos nossos impostos aplicados em projetos educativos de sucesso e, como utente, com a devida defesa da causa pública, pouco me importa que seja investido na propriedade privada ou na do estado. Este núcleo escolar/desportivo, que inclui uma piscina coberta e um pavilhão gimnodesportivo, prova que faz sentido uma distribuição equitativa dos recursos públicos e a sua ponderação numa análise custo-benefício.
Em menos de uma década, Joaquim Sousa cumpriu o impensável com o desafio implícito na primeira página do seu Regulamento Interno: “Cada escola é/será aquilo que todos e cada um dos seus elementos forem capazes de construir, ou quiserem que ela seja”. Digo eu, a pensar noutro heterónimo de Fernando Pessoa: “Serei o que quiser. Mas tenho que querer o que for. O êxito está em ter êxito, e não em ter condições de êxito. Condições de palácio tem qualquer terra larga, mas onde estará o palácio se não o fizerem ali?”.