O ano letivo começou há uns dias e há mais escolas a impor restrições ao uso de telemóveis: alguns alunos vão ter de os desligar na escola. A medida visa combater o vício dos ecrãs e mudar aquele que parece ser o quadro comum: cada aluno agarrado ao seu smartphone, a teclar ou a “fazer scroll”, de olhos postos nos ecrãs com o som das conversas substituído pelo alarme das notificações e pelo tinido da vibração dos aparelhos. Os miúdos estão na escola, mas o intervalo é passado online, no Instagram ou no Tik Tok. Às vezes, as aulas também.
A novidade chegou nos primeiros dias da rentrée: em algumas escolas vai ser “expressamente proibido o uso de telemóveis dentro do recinto escolar”. As restrições aplicam-se a alunos do pré-escolar ao 9º ano, ou seja, entre os três e os quinze anos. No Secundário o uso não é proibido, é “desaconselhado”. A medida não é novidade: na Escola António Alves Amorim (Santa Maria da Feira) os telemóveis foram proibidos há 6 anos e no Colégio Moderno (Lisboa) há 15, ainda as redes sociais davam os primeiros passos. A novidade é o número crescente de escolas a aderir. Sem diretrizes do Ministério, cada escola decide internamente regras próprias. A maioria das medidas foram sugeridas por professores, que têm dificuldade em gerir a utilização dos equipamentos. Há alunos que não desligam o telefone durante a aula e o intervalo é passado com os olhos no ecrã. Alguns almoçam com o telemóvel à frente do prato; outros estão, ao lado dos colegas, a falar através de aplicações. Têm telemóvel cada vez mais cedo e usam-no cada vez mais, prática que o confinamento veio agravar, ao transformar os ecrãs na única janela aberta para o mundo – e até para a escola.
O relatório anual da UNESCO, divulgado no verão, defende que o uso de telemóveis nas escolas deve ser limitado às atividades curriculares, ou mesmo proibido, sempre que não favorecer o ensino ou dificultar as aulas. Por outro lado, países como a Noruega e a Suécia estão a questionar a eficácia dos manuais escolares digitais, começando a implementar medidas de recuo. A investigação na área permite concluir a desvantagem dos ecrãs, para a literacia infantil, em relação aos manuais tradicionais: a compreensão é menor quando os textos são lidos num ecrã. E, ao contrário do que se supunha, esta tendência não está a ser invertida pela nova geração de “nativos digitais”.
A internet, as redes sociais e os smartphones foram uma revolução. A tecnologia é espantosa: passámos a andar com o mundo no bolso; encurtámos distâncias, pondo tudo à distância de um clique; democratizámos, como nunca, o acesso à informação. As potencialidades para a aprendizagem são, de facto, significativas. Mas é preciso fazer uma reflexão profunda que pese, de forma séria, vantagens e desvantagens. Os riscos são especialmente preocupantes na infância e na adolescência: cyberbullying, diminuição da atividade física e problemas associados ao sedentarismo, dependência dos ecrãs, dificuldades de socialização, partilha indesejável e até perigosa de dados pessoais.
É evidente que a exposição excessiva aos ecrãs não se limita ao contexto escolar e é preciso que o problema mereça a mesma preocupação no contexto familiar. Mas a Escola tem de ser uma casa que abre janelas, quando as portas se fecham. Os primeiros anos de vida são essenciais para a saúde, o desenvolvimento e o bem-estar físico e emocional. E são também os anos do espanto, da fantasia, da curiosidade. Da descoberta do mundo, um espaço real, que é impossível enquadrar inteiro na moldura de um ecrã. São os anos da experimentação, da tentativa-erro, do conhecimento do Eu e do Outro. No seu livro mais autobiográfico, “As Pequenas Memórias”, José Saramago conta-se entre os quatro e os quinze anos. Quando lhe perguntaram porque é que tinha optado pelas memórias deste intervalo, ele respondeu: “queria que os leitores soubessem de onde saiu o homem que sou”. Os homens e as mulheres que somos nascem destes anos iniciais, dessa manhã em que acordamos, devagar, para o que nos rodeia, com os olhos muito abertos e postos no futuro – um espaço cheio de portas por abrir. Que elas não permaneçam fechadas, porque fizemos dos ecrãs a única janela aberta para o mundo.