Opinião – Fictícios, só os nomes!

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Francisco Queirós

Francisco Queirós

O país real não é o das telenovelas. E não é também visível a olho nu por quem ande distraído numa correria imensa do dia-a-dia e tenha a sorte de não pertencer ao grupo dos excluídos e protagonistas reais da pobreza.

Há muitos milhares de portugueses que, sabendo que há crise e sentindo-a nos seus rendimentos em decréscimo, não conhecem bem a realidade e o sofrimento de muitos e muitos milhares de outros portugueses com quem se cruzam nas ruas, mas que não param para lhes dizer o que comem ou não comem, onde e como vivem.

Há uma pobreza profunda! Às vezes, escondida. Bem conhecida por técnicos de segurança social, pelos profissionais dos cuidados primários de saúde, por professores, por autarcas responsáveis, entre outros. “Mãe e filha internadas após serem mordidas por ratos em casa”, título de notícia de um diário de hoje.

história ocorre no Algarve, o mesmo território onde turistas invadem as praias e restaurantes. O mesmo Algarve onde ingleses ricos jogam golfe e as marinas estão repletas de iates de luxo.

“Comida estragada, lixo acumulado no chão e bacias com urina e fezes. É nestas condições que vivem uma idosa, de 85 anos, a filha, acamada no sofá da sala, e o filho, esquizofrénico, numa casa precária, em Olhão, no Algarve. (…) Ontem, a mulher mais nova foi mordida por ratos e levada para o hospital, onde já estava internada a mãe, há dois dias, pelos mesmos motivos.” Lemos e indignamo-nos.

Na verdade, há muitas histórias semelhantes. Celeste (nome fictício) foi recentemente realojada pelos serviços de habitação social do meu pelouro de vereador da Câmara de Coimbra. Vivia no centro da cidade. À sua porta cruzavam-se diariamente japoneses de câmara em punho, espanhóis, franceses, alemães ou brasileiros em visita apressada à Universidade ou à Sé Velha.

À sua porta passavam estudantes e lentes. A casa era um ninho de ratos.

Dona Helena (nome fictício) bateu-me à porta em choro. Se a atendia. Mostrou-me algumas fotografias tiradas pelo seu telemóvel. Acabara de ruir um pedaço de uma parede. Teme pelo estado de segurança do tecto. Os serviços foram ao local. Fui também.

A casa de Helena, como a dos seus vizinhos, assusta. Queixa-se do senhorio, das reiteradas promessas de obras. Não entende como um proprietário rico pode pôr e dispor da vida de várias famílias. Helena está desempregada. Os rendimentos são demasiado escassos para arrendar outra casa. Implora por ajuda quando lhe são sonegados direitos.

Dona Teresa é doente oncológica. Nasceu em África, vive em Portugal há muitos anos. Os cuidados de saúde permanentes de que carece não existem na terra onde nasceu. Os seus filhos regressaram à antiga colónia. Teresa não tem ninguém que a apoie. Não tem rendimentos. Como se alimenta? Como vai calhando!

António tem 65 anos. Trabalhou desde os 13. “Sabe, os patrões tiravam os descontos da segurança social ao nosso ordenado, mas depois ficavam com eles.” Assim, tem muito menos anos de descontos. Reformou-se recentemente. Uma miséria de pensão.

Lurdes tem cerca de 40 anos, já teve vários empregos. Sempre precários, mal pagos. Queria mesmo era ficar “afectiva” na empresa de limpezas onde agora substitui outra trabalhadora. Será um sonho? Lurdes precisa de um trabalho afectivo! Um trabalho efectivo e com direitos!

Valdemar, Vitorino, Ana, Maria, Vanessa, José, dezenas, centenas. Uns são mordidos por ratos. Outros passam fome. Outros desesperam. “Já me faltam as forças para ter sonhos…”, confessa Adriana, de lágrimas nos olhos.

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