Opinião: Se não queremos ser carrascos da liberdade

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                          Norberto Pires

Tenho para mim que concorrer a eleições é um ato que tem de resultar de uma reflexão muito séria, pois o mandato obtido tem de ser cumprido. Registo, com enorme desagrado, que os cabeças de lista à Câmara Municipal e Assembleia Municipal da lista “Mais Coimbra”, apoiada pelo PSD/CDS/MPT, decidiram renunciar aos mandatos para que foram eleitos.
Estão no seu direito e essa é uma atitude permitida pela lei. Não posso deixar, no entanto, de dizer, que não concordo com essa atitude que penso defrauda muitos dos que votaram nessa lista. Depois não se queixem da falta de confiança dos eleitores nas listas dos partidos. Os partidos que apoiaram esta lista ficam muito mal na fotografia e este comportamento deve levar os eleitores a pensar bem em quem votam nas eleições autárquicas. Argumentar que se avisou em campanha eleitoral, que no passado outros atuaram da mesma forma, ou que, entretanto, se recebeu um convite mais aliciante, não é de todo aceitável. O exercício do poder exige oposição forte, pelo que o seu exercício não pode, nem deve ser desmerecido. Para além disso, as eleições são feitas tendo por base listas que são muito personalizadas, o que constitui uma opção consciente de quem se apresenta a eleições. Nos cartazes da coligação “Mais Coimbra” aparecia a cara dos cabeças de lista. Em toda a comunicação, nos discursos, etc., eram os cabeças de lista que apareciam, o que torna impossível desassociar o exercício do voto, isto é, da inerente escolha, da figura e da personalidade desses cabeças de lista: as pessoas votaram numa lista, é certo, mas essa lista foi personalizada de forma consciente e a mensagem foi adaptada à sua personalidade e currículo. Recomendava-se votar numa determinada lista porque o seu candidato tinha características pessoais que o justificariam, comparativamente a outras listas. Quem acolheu esse discurso e elegeu essas pessoas, vê agora a oposição ao executivo, função que é tão ou mais importante que a função de exercício efetivo do poder, ser desempenhada por segundas e terceiras figuras que muito dificilmente seriam eleitas, ou não teriam tantos votos, se concorressem no topo da lista. E isso não pode deixar de inquietar os democratas e aqueles que têm do exercício dos cargos públicos uma medida muito rigorosa para a legitimidade que justifica a delegação de poder a quem é eleito. Eu sou um deles. Mudar este país é muito complicado e só será possível, diz um louco idealista como eu, com exemplo. Havia aqui, desculpem a sinceridade, um exemplo a dar. Não está, como é óbvio, em causa a honorabilidade de ninguém.
Para mim, tudo isto é muito infeliz e a imagem da nossa democracia. Ao ponto de considerar que a lei eleitoral autárquica deveria ser alterada, no sentido de impedir de concorrer a novas eleições, todos os cidadãos que tenham renunciado a mandatos para os quais tenham sido eleitos em eleições anteriores, excluindo, como é óbvio, situações de força maior devidamente comprovadas.
Acresce que tudo isto acontece numa lista liderada pelo PSD, um partido reformista, com especiais responsabilidades na construção da democracia portuguesa, mas que deixou de ser social-democrata e se afastou, por várias razões, da sua matriz original. Muitos argumentam que desde o início da década de 1990 o PSD só governou em períodos em que não havia dinheiro, ou para resolver problemas deixados por outros governos. Foi assim, pelo menos, com o Governo da “tanga”, de Durão Barroso, e da “troika”, de Pedro Passos Coelho. Não posso concordar. O PSD foi social-democrata com Francisco Sá Carneiro numa altura em que não havia dinheiro, e foi para o poder nessa altura muito confusa e conflituosa. E o PSD foi capaz de se unir, NO CENTRO (e não à direita), com forças que abriam espaço na sociedade portuguesa e partilhavam grande parte dos seus objetivos. Na verdade, o PSD deixou de ser social-democrata porque, de facto, mudou a forma de atuar. Sem lideranças capazes, sem um projeto mobilizador e sem capacidade de atrair os melhores nas várias áreas da nossa sociedade, foi sendo o partido dos momentos, deslizando sucessivamente para a direita à medida que enfrentava problemas e, na ausência de lideranças com convicções fortes e sem capacidade de debate interno, não era capaz de impedir a tomada do poder por pessoas que viam no PSD uma forma de subir na vida. E isso transformou-o numa máquina de poder, na qual a social-democracia era só um lema, e depois um nome, cada vez mais vazio nos princípios, nas convicções e nos propósitos. O PSD não é social-democrata porque deixou de ser idealista, deixou de pensar em Portugal (pensa no poder), deixou de refletir sobre o futuro, deixou de querer algo superior, ou, como dizia Francisco Sá Carneiro, deixou de: “continuar a lutar pela liberdade concreta, pela igualdade e pela dignidade de vida dos portugueses. E havemos de construir o país que desejamos”.
Há pessoas conscientes no PSD que percebem bem a necessidade de refazer o caminho. Um deles é Rui Rio. Em 2012 convidei-o para prefaciar um livro que escrevi (“Em breve…”), exercia ele o cargo de Presidente da Câmara do Porto, compromisso que nunca abandonou apesar dos múltiplos apelos nacionais. Convido-vos a ler esse prefácio que é, de facto, muito claro. Podem encontrá-lo em www.jnorbertopires.pt/livros.

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