Opinião – Portugal, um país onde se é cada vez mais precário

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JULIO MARQUES MOTAJúlio Marques Mota

Coimbra, a 27 de Julho. Saio de casa, para comprar dois pães tipo Bijoux que a pastelaria Vénus produz. Quem diria, fazer 300 a 400 metros para satisfazer um pedido da minha neta. Um sorriso na cara de uma criança, e isso vale o esforço. Vou de férias, levo-a, a viagem é longa e é necessário comer pelo caminho, nas estações de serviço. Comer a nosso gosto, com produtos por nós escolhidos, desde o pão ao presunto ou ao queijo. Comer com prazer. A vida está cara, a crise instala-se em todos os interstícios da nossa vida. É aqui o caso. Contrariamente ao que era normal, desde há dois anos que este é o sistema que passou a ser utilizado: comprar os alimentos e comer nas mesas destinadas para piqueniques nas estações de serviço. A minha neta, para além de endogeneizar a realidade pelas imagens brutais que vê na Televisão, também ganha uma outra consciência dessa brutal realidade que atinge praticamente toda a Europa através das opções feitas quotidianamente em família quanto a gastos, na família de que ela é afinal, por ser o nosso futuro, uma peça central.

Entramos na viatura, um velho Peugeot de 14 anos, e partimos em direcção a Faro. Pelo caminho, último sábado de Julho, damos por uma enorme massa de carros na auto-estrada. Fomos comentando, todos ou na sua maioria eram carros mais novos que o nosso, muitos deles com cara de perfeitamente novos, com cara de que terão sido comprados na urgência de uma crise e com medo de que não haja euros amanhã. Fomos comentando, um casal de professores, hoje na reforma e no seu património está um carro que tem mais ares de precisar de ser abatido do que outra coisa. Mas anda bem este nosso Peugeot, até porque no seu tempo de vida nunca andou muito por cada ano que somava ao seu BI, digamos, ao seu livrete.

Primeira paragem para comer, a estação de serviço do Montijo. Curiosamente, o mesmo sítio onde parei em Março passado e numa pequena crónica que fiz de Faro a essa paragem me referi. Na altura, dois exemplos, de avós que levavam os netos para o Algarve, possivelmente. Estes estendiam toalhas nas referidas mesas. Uma cena de uma ternura fabulosa, num dia enevoado. Mas hoje, os carros quase que se atropelam, e curiosamente não são carros como o meu, não, são então os que nós íamos vendo a ultrapassar-nos na estrada, reluzentes, brilhantes, carros possantes de muitos cavalos no motor instalados, carros de média gama alta para cima, Mazda 6, Megane novos, Ford Mondeo, vários, muitos mesmo, Audi. 4,5,6, vários Mercedes, um Jaguar S-type, entre outros. Virei-me para a minha mulher – olha para eles, tudo brilha de novinho em folha, o nosso brilha pela sua patine com que bem se ilustra. Preparo o lanche, 13h 15mn marcava o meu relógio. De repente, olho não para os carros mas sim para as pessoas e que vejo? A maioria delas passeando de lancheira na mão, e nalguns casos eram famílias inteiras. Espanto-me, fico quase como cego pelo impacto daquela gente que se desloca para as mesas de piqueniques todas elas ocupadas, outros que vinham depois em sentido contrário, no sentido da estação de serviço para se sentarem nas mesas de fora e também aí, não havia nenhum lugar disponível. Pela nossa parte comemos encostados ao nosso velho companheiro e com gosto. Gente filha de gente pobre como eu não gosta de pão de forma, de pão demasiado branco, prefere o pão de mistura com os acompanhamentos por nós bem escolhidos. Sinceramente, fiquei espantado, com o espectáculo à minha volta.

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