Opinião – De Faro com amor… de Estoi com horror

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JULIO MARQUESJúlio Marques Mota

2. De Estoi com horror

São 21 horas, saio de casa. Jantar já bem arrumado e no sítio certo, ainda me sinto atordoado com a conversa havida durante a tarde, com um desconhecido de então, supostamente um homem de elevada patente militar. Tudo indica que assim o é. Estávamos em Faro e toda a conversa desta tarde terá resultado do mal-estar gerado entre um homem e uma mulher, a caminharem sobre desencontros sucessivos numa idade já não muito consentânea com trajectos desta índole. Um mundo repleto de ansiedade em que este homem de suposta elevada patente procurava alguém que o soubesse ouvir e que ele sentisse que o sabia ouvir. E assim tive um encontro com a História e com ele fiz a minha história. Mas se esta análise foi dolorosa não menos doloroso foi ouvir um desconhecido de coração aberto, homem situado numa faixa etária de sessenta e poucos anos, falar de amor como se de um adolescente se tratasse, inclusive, com uma autenticidade a que já nos é estranho constatar, pois deparamo-nos com uma realidade em que se vive a fingir e a esconder sentimentos. O politicamente correcto de agora, o que é conveniente dizer.

São 21 horas, Vou até ao café habitual até porque espero aí encontrar o “ meu menino” de Estoi a quem preciso de fazer algumas perguntas sobre o seu curso nas tropas especiais, menino este que no passado ano foi objecto de uma das nossas crónicas de então. Levo um livro ou não? Acabei de ler a Tyrannie des évaluations, que levo então? Ou não levo nada? Decidi nada levar. Ontem encontrei no café o “meu menino” de Estoi. Pretendo colocar-lhe umas perguntas simples de que aguardo ansiosamente as suas respostas, respostas estas que julgo importantes para poder escrever e descrever com detalhes a segunda parte desta minha crónica. Sei, pelo pouco que me disse ontem, que andou pelos comandos, que foi recambiado para casa, para tratar de uma veia que lhe rebentou quando estava no curso. Nada meiga a sua história nas tropas especiais, mas preciso dela bem detalhada, para que a expressão horror em Estoi tenha algum sentido para quem essa crónica venha a ler.

Dirijo-me então para o café habitual, para retomar com o “meu menino” de Estoi uma conversa que tivéramos na noite anterior. Mas vejo que este está nervoso, muito nervoso. Diz-me, “não quero falar de mim, só me apetece ir embora, mas a minha patroa não me substituiu. Mas quero ir-me embora”. Nem pense nisso, disse-lhe. Mas antes de mais o que é aconteceu?

A resposta, meio enrolada, foi como se segue: “um primo meu levou um tiro na cabeça em Estoi. Era muito chegado a mim, está no Hospital. Precisa de mim e eu aqui sem saber o que fazer, está a ver, gritou-me ele”. Calma, respondi. Tu e o teu primo têm um amor mútuo, tudo bem. Levou um tiro na cabeça, terá necessariamente um derrame interno, estará em coma, não fala, não ouve, não vê. Vais lá fazer o quê? Espera, tem calma e não percas o teu emprego. E a conversa seguiu neste tom, amena, sem tocarmos nas questões de que eu tanto necessitava de lhe colocar

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