Opinião – De Faro com amor de Estoi com horror (II)

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JULIO MARQUESJúlio Marques Mota

Volto no dia seguinte, para saber do meu menino de Estoi. E soube então que o “meu menino” de Estoi foi despedido. Porquê? Porque no dia anterior avisou, perto das 18 horas, que não poderia trabalhar nessa noite nem nas noites seguintes, durante uma semana. Tinha que tirar a carta de condução! Nada mais soube, nada mais me disseram.

Com as informações de que disponho que posso eu dizer? A tirar a especialidade, ganhava cerca de 700 euros. Disse-me nessa noite que agora gostava muito de ser soldado da paz. No curso empenhava-se a fundo, queria acabá-lo com muito boa classificação. Na instrução há uma situação delicada criada com todo o grupo em instrução. Muitos deles caem por terra. O “meu menino” de Estoi não caiu por terra. Porque “ficava bem na fotografia”, foi exactamente assim que me disse, ajudou uma série deles a desenvencilharem-se da situação delicada em que tinham caído e em que tinham caído por terra. Ao ajudar, levou um brutal pontapé nos testículos. Terá visto as estrelas, como se diz na minha terra. Dirigiu-se à enfermaria, tinha-lhe rebentado uma veia lateralmente a um dos testículos. Interrogado pelo médico de serviço de como é que lhe aconteceu aquilo, explicou como foi. Na instrução, normal. Tive azar, o pontapé acertou-me onde não tinha de acertar, é o que terá dito! Nesta resposta, não há um queixume. Quem foi, perguntou o médico. Respondeu, disse o nome do oficial da instrução. A resposta do oficial-médico foi de espantar. Não pode ser, esse oficial não lhe faria isso. Não me chamem de mentiroso, reagiu. Vejam lá se esse oficial estava ou não estava na escala da instrução. Vejam! Estava, mas não pode ser ele, retorquiram-lhe. Ele nunca o faria. Aliás, a essa hora estava a tomar café com outro oficial, acrescentaram. Perguntem então ao segundo oficial da instrução, terá gritado o “meu menino” de Estoi. Perguntaram e a resposta foi a mesma: o referido oficial, o incriminado pelo “menino de Estoi”, para todos os oficiais daquele quartel e naquele dia, naquela hora, naquele minuto exacto e naquele local, não estava na instrução para a qual estava escalado, estava a tomar café com um alferes. E disseram-lhe que para bem da vidinha dele que se calasse. Caso contrário ficaria bem pior. Mas disseram-lhe mais. Muito mais e para o que lhe disseram não há revolta que chegue. Disseram-lhe que o caso da veia rebentada poderia suceder mais vezes, que tinha de ser tratado, que tinha de ser operado. Mas a tropa, o exército não poderia suportar os custos. Em suma, não há no exército do governo neoliberal de Passos Coelho disponibilidades financeiras para cuidar dos soldados filhos do povo. Que regressasse à sua terra, que fosse ao médico de família e que pelo sistema nacional de saúde fosse então operado.

O nosso “menino de Estoi”, filho de todos nós, agora e depois desta história, não tinha ninguém naquele quartel que olhasse por ele, não tinha ninguém que se questionasse o que é um homem, o que é um soldado afinal. No fundo não havia verdadeiramente nenhum oficial naquele quartel que soubesse o que é ser homem. Brutamontes de peito estrelado talvez haja por lá muitos, verdadeiros homens de comando, absolutamente, NÃO. Haverá por lá sim, homens de mando, como no Governo aliás. E o nosso “menino de Estoi”, possivelmente nunca mais virá a ser um soldado da paz. Porque ajudou os seus colegas, porque levou um brutal pontapé nos tomates e, no fundo, porque verdadeiramente tinha tomates.

E o nosso “menino de Estoi” regressou ao trabalho de café, pelo menos no Verão, Agosto somente, mas o dinheiro não chega, procura um outro emprego precário. Entra então num restaurante cujo o horário laboral é das 9 h da manhã às 18h, onde ganha 700 euros, e entra no café onde o encontrava às 20 h, já jantado, e sai por volta da uma da manhã, agora por mais 500 euros.

 

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