Crentes e não crentes na fronteira

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Manuel Augusto Rodrigues

No passado dia 12, na Universidade de Bolonha, foi apresentado o “Cortil dos Gentios”. Era o espaço do antigo templo de Jerusalém aberto aos não judeus. O mesmo sucederá em Paris: na Sorbonne, na UNESCO e na Academia Francesa. Trata-se de uma estrutura criada pelo Pontifício Conselho da Cultura destinada a favorecer o encontro e o diálogo entre crentes e não crentes. O cardeal Gianfranco Ravasi, presidente daquele Conselho, escreveu no “Osservatore Romano” um excelente artigo sobre o tema.

O escritor sueco, Stig Dagerman, no livro “A necessidade de consolação” falou daquilo que ilumina de modo explícito o sentido de um diálogo entre crentes e não crentes: «Falta-me a fé e, por isso, nunca poderei ser uma pessoa feliz, porque uma pessoa feliz não pode temer que a vida seja um deambular insensato a caminho da morte». Não contam neste tipo de encontros a apologética e a condenação nem a manta da superficialidade e da indiferença. Filão de Alexandria refere o sábio como sendo o “methòrios”, ou seja o que está na fronteira, com os pés assentes na razão, mas alargando o olhar e escutando as razões do outro, ao contrário do duelo entre o jesuíta e o jansenista do filme “A via Láctea” (1968) de Buñuel. O “Adolescente” (1875) de Dostoevskij, bem como o “Crepúsculo dos deuses (1888) de Nietzsche e a “Nova Justina (1797) do marquês de Sade fornecem elementos interessantes sobre a questão da crença e da não crença.

Gesualdo Bufalino escrevia no seu “Malpensante” (1987): “Só nos ateus sobrevive hoje a paixão pelo divino». Se o fiel tradicional se habituou a fórmulas dogmáticas e rotineiras já a epígrafe de um dos túmulos da “Antologia di Spoon River” (1915) inclui um ateu adversário dos crentes, mas que numa longa doença leu os Upanishad e o Evangelho. Uma chama de esperança extinguiu então as cavernas da escuridão. Há crentes que crêem, mas de facto são incrédulos, e vice-versa, há não crentes que crêem. A fé tem o seu lado de obscuridade e de mistério como revelam os casos de Abraão, de Job, de Cristo na cruz e de alguns místicos. Vemo-lo no drama do pastor Ericsson em crise de fé no filme “Luzes de Inverno” (1962) de Ingmar Bergman

Escrevia o teólogo francês, Claude Geffré que no plano objectivo è impossível falar de uma não crença na fé, mas no plano existencial pode chegar-se a uma simultaneidade de fé e de não crença. Aleksandr Zinov’ev, autor de “Altos abissais” (1976), escreveu: “Suplico-te, meu Deus, procura existir, pelo menos eu ouço, abre os teus olhos, suplico-te!». E Giorgio Caproni (1912-1990) diz: “Deus de vontade, Deus omnipotente, procura, esforça-te, pelo menos por existir». O Vaticano II reconheceu que também o não crente participa da ressurreição de Cristo (“Gaudium et spes”, 22).

A fé não é uma mera superficialidade nem o ateísmo uma negação banal ou sarcástica. Jacques Prévert escreveu”: “Pai- nosso que estás no céu, fica por aí!». É actuar como se Deus não existisse, etsi Deus non daretur. Certas correntes da sociedade moderna defendem que Deus nada tem que interferir na nossa vida. O diálogo inter-religioso em que o respeito é condição fundamental abre perspectivas de aprofundar os anseios do homem, crente ou não crente. e de responder às suas interrogações.

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