Opinião: Seis meses de Governo da Saúde
Tenho, sempre tive, para mim que o Ministério da Saúde deve ser o mais difícil de dirigir e governar. O nosso sistema nacional de saúde, em geral, e o SNS, em especial, são extremamente complexos e baseados num grande número de profissões, com interesses pessoais e corporativos muito desenvolvidos e, frequentemente, competitivos entre si.
Passado meio ano de funções deste governo, de que, deliberadamente, me abstive de comentar, penso ser chegado o momento de rever a situação da Saúde em Portugal. Como aqui escrevi há precisamente seis meses, “o governo tinha um compromisso eleitoral para cumprir e definiu como objetivo principal, nos primeiros 60 dias, combater a desigualdade de acesso à saúde – ao nível das consultas, ao nível das urgências e ao nível das cirurgias”.
Desde o princípio me pareceu que era um prazo curto demais para resolver problemas tão profundos e tão antigos, de décadas de indefinição e estagnação. Mas, pelo menos no que respeita às cirurgias, o SNS nunca realizou tantas operações como nos primeiros seis meses deste ano. São mais de 466 mil, informou a Direção Executiva do Serviço Nacional de Saúde, admitindo, no entanto, “um ligeiro aumento” nas listas de espera. É sempre assim: aumenta a oferta, aumenta a procura. Parece, contudo, que as cirurgias oncológicas estão agora mais em dia do que antes.
Já no que diz respeito às consultas, não há dados oficiais no Portal do SNS, mas aparentemente o SNS também não conseguiu responder às necessidades da população nos cuidados primários e nos hospitais. O número de utentes sem médico de família aumentou (em agosto eram quase 1,68 milhões; 1.55 milhões em abril), e são também mais os doentes à espera de primeira consulta nas especialidades hospitalares.
É curioso verificar, contudo, que quase 900 mil consultas foram desperdiçadas no SNS nos últimos cinco anos, por faltas dos doentes; cerca de 16% do total de primeiras consultas referenciadas para os hospitais públicos pelos centros de saúde.
Entretanto, o governo abriu cerca de 900 vagas para medicina geral e familiar, que representam mais 40% do número de recém-formados, com o objetivo de captar mais profissionais para os cuidados de saúde primários, mas a maior parte das vagas continuam por ocupar.
Quanto às urgências, parece que ainda pouco ou nada se avançou. Tem-se falado muito no plano de urgências para o inverno, que está aí à porta, mas, até agora, nada transpareceu.
Há pouco mais de uma semana, foi apresentado um “projeto-piloto de reorganização dos serviços de obstetrícia, ginecologia e pediatria” na região de Lisboa e Vale do Tejo, na península de Setúbal e no eixo Santarém-Leiria-Caldas da Rainha. Nessa ocasião, a ministra afirmou que “Nunca escondi que a resposta que damos à nossas grávidas e crianças não tem sido a melhor. Queremos evitar o encerramento de serviços ou a sua rotatividade que tanta ansiedade trazem às nossas utentes e aos pais das crianças”.
De resto, o Despacho n.º 11173-A/2024, de 9 de setembro estabelece que “aos dirigentes máximos dos órgãos, organismos, serviços e demais entidades do Ministério da Saúde compete assegurar que, na marcação dos períodos de férias já vencidas dos respetivos dirigentes e trabalhadores, independentemente da natureza da sua relação jurídico-laboral, carreira, categoria e funções, se encontra salvaguardada a dotação dos serviços com um número de trabalhadores em exercício de funções que, de forma proporcional e na medida do necessário, garanta a resposta em cuidados de saúde, atento o expectável aumento da procura que é característico no período de inverno que se aproxima”. Assim, “tendo em vista assegurar a resposta do SNS, devem proceder à imediata reanálise dos planos de férias dos profissionais que integram as equipas do serviço de urgência e, sempre que seja detetada situação que inviabilize a composição integral da equipa, proceder à respetiva revisão”. Veremos se há vontade suficiente para o implementar! Entretanto, foi feito um “reajustamento do número de obstetras por equipa em função do número de partos”, até agora exagerado e causa de muitos encerramentos.
A segunda prioridade do programa eleitoral refere-se à necessidade de “motivar os profissionais de saúde”, especialmente os médicos e os enfermeiros. E é óbvio que o principal método de os motivar é o ajustamento salarial. Já houve alguma conversa com as classes profissionais, mas estamos longe de lá chegar, para além de alguns incentivos já concedidos, como nos casos das cirurgias oncológicas e dos partos. A criação de Centros de Responsabilidade Integrada nas Urgências, que define um modelo de incentivos a profissionais, aliás iniciada pelo governo anterior, continua a gerar reações diversas, umas a favor, outras contra.
Assim vamos, devagarinho…
Nota: continuarei esta análise na próxima Opinião


