Opinião: Se o compromisso está em queda, urge rever a lei

Há quase 20 anos que lidero equipas de trabalho. Estas têm sido tendencialmente crescentes e actualmente já contam com várias dezenas de pessoas. Ao longo destes anos aprendi a valorizar os colaboradores como o maior activo de qualquer organização: para a maioria dos casos, sem pessoas, não há qualidade, não há produtividade, não há futuro. Mas o que observo mais recentemente no mercado de trabalho levanta sérias preocupações.
Há novas tendências que se afirmam e que se tornam cada vez mais evidentes: criar carreira sólida numa determinada área é cada vez menos uma intenção, a ligação com a empresa empregadora é cada vez mais uma questão acessória e não central, e em muitos casos, há um desinteresse, quase assumido, pelo sucesso colectivo.
A lei laboral portuguesa foi construída com uma lógica necessária de protecção contra abusos patronais. É fundamental que assim continue. Mas há sinais claros de que se tornou demasiado rígida para lidar com um mercado em rápida mutação. A nossa actual governação preparou um anteprojecto que pretende ver discutido em concertação social e que propõe alterações profundas ao Código do Trabalho.
É importante que essa discussão aconteça e é realmente importante que esse debate exista, não apenas nos cenários políticos e sindicais; deve ouvir quem está no terreno, de ambos os lados da barricada (se é que ela existe).
Hoje, despedir alguém por falta de empenho ou desinteresse sistemático é quase impossível. As vias existentes — despedimento por justa causa, por inadaptação ou por extinção do posto — exigem critérios difíceis de comprovar e procedimentos complexos. Resultado: muitas empresas acabam por manter vínculos que, na prática, se tornaram improdutivos. Isto é mau, mas poderá nem ser o pior. A “obrigação” em manter estes vínculos pesa sobre colegas que se esforçam e isso fragiliza a competitividade das equipas, nivelando por baixo essa mesma competitividade.
Não se trata de fragilizar direitos. Pelo contrário: trata-se de os adaptar à realidade. Uma lei laboral equilibrada deve proteger o trabalhador, mas também reconhecer responsabilidades. Quem não mostra interesse ou empenho depois de sucessivos avisos, formação ou passagem por serviços alternativos, não pode ter a mesma “protecção” que alguém dedicado. É preciso permitir que critérios objectivos e devidamente documentados — assiduidade, qualidade do trabalho, cumprimento de metas mínimas — sirvam de base legal para agir.
Outro ponto crucial é a rotatividade. Para uma empresa, cada entrada e saída implica semanas de adaptação, perda de ritmo, custos adicionais. Os trabalhadores mais jovens valorizam mobilidade, bem-estar e equilíbrio — e isso deve ser respeitado. Mas também é justo que se premeie quem permanece, com mecanismos legais que reforcem a progressão salarial e a responsabilidade para quem demonstra compromisso. Criar incentivos fiscais ou contributivos para empresas que conseguem reter equipas estáveis, passando parte desses benefícios aos colaboradores dedicados sob a forma de incremento salarial seria a meu ver algo que faz sentido.
A lei laboral portuguesa tem de garantir previsibilidade. Uma legislação demasiado protectora cria o risco de transformar contractos em meros formalismos, onde o esforço não é exigido nem recompensado. Uma legislação demasiado frágil abre a porta ao abuso. O caminho está no meio: proteger quem quer trabalhar e dar às empresas instrumentos claros para lidar com quem não quer.
Estamos perante uma oportunidade rara: uma revisão profunda da lei laboral. Que ela não se resuma a slogans ideológicos. Que sirva para modernizar um quadro jurídico essencial, equilibrando segurança e flexibilidade. Porque um país competitivo precisa de empresas saudáveis, e empresas saudáveis precisam de equipas verdadeiramente comprometidas.
*Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico.