Opinião: Que “modelo” para a floresta?
                                        
                                    A jornalista Margarida Davim assina uma crónica no canal CNN que começa com a frase: O país ardeu, o país arde, o país arderá!
Mas mais que um lamento, esta crónica é um relato pessoal, familiar e com que muitos de nós se identificarão: todos os anos parece ser uma inevitabilidade… o verão será desesperante, os esforços serão inglórios e muito valor desaparecerá à frente aos nossos olhos. 2025 aprofundou esta cicatriz que cruza o Norte/Centro de Portugal.
Há razões óbvias e documentadas para este fenómeno: a primeira é o avanço das alterações climáticas, com incidência especial no Sul da Europa; e a segunda é a nossa inadequada “organização” do território e a terceira pode ser apontada à gestão florestal.
O incêndio de Pedrógão Grande, já em 2017 expôs em direto, a vulnerabilidade estrutural do país. O retrato era conhecido, mas revelou-se devastador: um mosaico desordenado de pequenas propriedades essencialmente privadas (muitas abandonadas); política florestal errática e ausente no terreno; uma vigilância insuficiente; proteção civil dependente de participação voluntária; meios aéreos privados caros, mas ainda assim ausentes ou insuficientes; comunidades rurais envelhecidas e esquecidas. Em síntese: uma floresta frágil, altamente inflamável, e um Estado incapaz de salvaguardar o interesse público.
Passaram oito anos. Houve avanços como o BUPi e os processos de emparcelamento que abriram caminho para resolver a fragmentação fundiária; a criação da AGIF (Agência para a Gestão Integrada de Fogos Rurais) e a sua ação programática trouxe mais visibilidade e expressão territorial à política florestal; a vigilância tecnológica progrediu; a proteção civil incrementou a capacidade de intervenção e preparação; a contratação de meios aéreos tornou-se mais transparente ainda que algo ineficaz.
Mas no essencial, o bloqueio estrutural mantem-se intacto: a floresta continua dividida, sem escala para uma gestão eficiente.
A pergunta central é: que “modelo” queremos? E o modelo que falo é um modelo de negócio. Sim, acredito que parte deste “nó” só será resolvido quando existir um modelo que garanta incentivos financeiros, permitindo que os operadores privados ou públicos tenham uma atividade continuada e sustentável no território florestal. Como país temos de assumir que a lógica individual/voluntarista não funcionará mais. Então, a formulação do problema passa a ser: como podemos remover os bloqueios e mudar a indústria da silvicultura, para que não seja um setor menor, e “mero” comprador de matéria-prima barata?
Serão necessárias novas políticas públicas para que o setor privado assuma esta corresponsabilidade na regeneração, investindo e inovando em produtos de maior valor acrescentado. Simultaneamente assegurando que todos os operadores se comprometem com a transição ecológica do país. Estas novas políticas não têm de ser aventuras pioneiras, basta olhar para os bons exemplos como o programa “condomínios de aldeia”, as operações integradas de “Gestão da Paisagem” (ver exemplo da Travessa na Pampilhosa da Serra), ou o exemplo privado da Cerdeira na serra da Lousã.
Como disse Abílio Pacheco, investigador da Universidade do Porto, os fogos “combatem-se no Conselho de Ministros”. A dimensão política tem der ir além da gestão da emergência, terá de ser decisiva na alteração legal. As próximas decisões sobre integração da floresta, agricultura, água e biodiversidade, têm de criar modelos de gestão (e propriedade?) conjunta, com uma lista de 4 escolhas inadiáveis:
1. “Governance”/modelo que garanta intervenção descentralizada;
2. Uma reforma fundiária realista que permita gestão conjunta;
3. Profissionalização parcial do combate, associada à prevenção;
4. Reconstrução da confiança social, devolvendo às comunidades locais um papel ativo, com incentivos claros e que garanta retorno económico.
Não quero contribuir mais para as infindáveis de horas de análise e palavras de circunstância. Penso que neste momento, a sociedade está desperta para a necessidade de mudança: existe uma noção coletiva de urgência, um alinhamento das forças políticas e um secretário de estado com experiência autárquica.
Esta é uma mudança que se quer duradora, não apenas baseada na resiliência corajosa de alguns, mas numa vontade profunda. Como bem disse a Mariana: “Ajamos antes que tudo arda…”
                            
