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Opinião: Preto e Branco dá muito cinza

24 de maio às 12 h54
1 comentário(s)

Há pessoas que sofrem de uma informação intoxicada. São os do preto e branco. Se repararem a maioria dos portugueses compra carros na área cinzenta, a mistura de branco e preto. Eles não conseguem escolher um dos lados e deambulam ali no meio, mais ou menos escuro, mas no cinzento. Agora até há uns novos cinzas com brilho, com mate, com granitado. Outra grande quantidade escolhe o preto ou o branco. As cores têm menos êxito.
O problema dos que escolhem um dos lados de modo intenso é a tolerância. E já não estou a falar de cores, mas de opções. As pessoas são complexas no que concerne às suas fronteiras em cada tema. O intransponível surge de modo poderoso destruindo o sossego, a serenidade e cavando as diferenças. Se pudéssemos olhar do futuro para trás, veríamos quantas certezas perderam sustentabilidade ao longo dos anos.
A minha rede social conhece algumas personalidades que destilam fel sobre alguns temas. Conheço e admiro e gosto muito do Isaltino de Morais, mas reconheço quantos biliosos se lhe agarram nas certezas de uma sabedoria que vem da construção noticiosa que o sujou. Miguel Macedo morreu sem a possibilidade de se lavar da lama que o condenou. Sousa Lara foi destruído por uma negação de escolha: não quis que Portugal fosse a um concurso representado por Saramago. Foi um estribilho de insultos e de assassinato de carácter. Os ataques descabelados que fizeram sobre Aguiar Branco quando resolveu o problema dos estaleiros de Viana dos Castelo ainda não me saíram da memória. Os insultos, as interjeições antes dos nomes, são gratuitas e portanto as pessoas tendem a insultar, vilipendiar sem freio, e desse modo alimentam a voracidade dos tabloides e das televisões.
Este é o sabor da bílis, o cálice de maldizer que todos tendemos a alimentar porque não se pode confirmar e discutir cada assunto, cada tema que jorra das notícias. A ponderação e o escrutínio cuidado não alimentam jornais, não constroem votos. O alimento da demagogia é a facilidade com que se ergue o dedo e se aponta o outro. O problema desta maneira de conviver é que se democratizou, perpassou para meios intelectuais, para pessoas que supostamente eram cultas e sabedoras que ninguém só tem razão. Ninguém pode estar sempre certo, ninguém é capaz de ser sempre mau. Esta situação é importante para as controvérsias e para os temas de choque. Hoje a realidade social barricou-se em certezas e sobretudo em violentas fronteiras que definem tribos. O reconhecimento tribal aporta tatuagens, linguagem, poderosas marcas de aceitação. Não cumpres e a alcateia alimenta-se de ti também. Baudrillard antevia isto tudo faz mais de vinte anos. A reflexão, a pergunta antes da escolha, o uso do método científico (garantir que A provoca B, significa que B não está presente sem A, que sempre que A se coloca surge B, que retirado A desaparece B) está tudo esquecido. Importa demarcar as barreiras de cimento, de arame farpado, de contundência linguística que nos afirmam. No fundo, o arco-íris desperta hoje o nascimento de mais preto e branco. Com o preto e branco em excesso surge a maioria silenciosa que é cinzenta.

Autoria de:

Diogo Cabrita

1 Comentário

  1. Miguel Coimbra diz:

    Curiosa a lista de exemplos que apresenta. Afinal o senhor também vê a preto e branco e só arranja exemplos de um dos lados.
    Não o vejo a referir, por exemplo, António Guterres, que ainda hoje é gozado infinitamente pelo “é fazer as contas” que disse no dia em que soube que a esposa tinha uma doença terminal.
    Não o vejo a referir, por exemplo, Mário Lino quando disse que se perguntassem a especialistas eles diriam que Alcochete Jamais porque a margem sul era um deserto. Quanta tinta correu sobre esta frase tirada do contexto, já que ele citava e não afirmava.
    Não o vejo a referir, por exemplo, José Sócrates, linchado por toda a imprensa, mas que na realidade nunca foi condenado.

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