Opinião: Porque o amor por algo deve ser maior do que o ego de o manter
Não foi uma decisão fácil. Terá sido aliás, com elevada probabilidade, das mais difíceis que já tomei na vida. Ao longo dos últimos tempos carreguei comigo dúvidas silenciosas: “E se a nossa capacidade de fazer crescer esta empresa é um travão quando comparada com essa capacidade proporcionada por outras hipóteses? E se amanhã eu não tiver capacidade de me dedicar de igual forma a esta empresa, o que poderá acontecer a todos os que tanta confiança depositaram em mim?” Estas perguntas foram crescendo, com o tempo, até se tornarem impossíveis de ignorar.
Com os meus sócios, companheiros de jornada, partilhei milhentos desafios, significativas conquistas e muitas horas de dedicação. Com os colegas de trabalho vivi tantos e tão bons momentos de exemplo de dedicação a uma causa comum. Mas apesar de não a ter construído sozinho, sentia-a como parte de mim. Era o resultado de anos de trabalho, de sacrifício, de um acreditar inabalável. Era um projecto com alma, com história, com peso emocional. E era, acima de tudo, uma parte de mim, algo pelo qual tinha um orgulho descomedido.
Mas chegou um momento em que percebi que aquilo que nos trouxe até aqui, podia não ser suficiente para levar a empresa para o próximo patamar.
E não por falta de paixão ou esforço — isso havia de sobra — mas porque há momentos em que a melhor decisão para o futuro é reconhecer que é hora de abrir espaço para o novo. Mais ainda quando o novo vem acompanhado de experiência no caminho que aqui é necessário fazer. Quando o novo é ladeado pela experiência do inequívoco sucesso.
A Frisalgados, Lda, estava capacitada para mais, a Frisalgados, Lda. precisava e merecia mais: mais estrutura, mais dinâmica, mais recursos, mais energia. E eu sabia que, para garantir esse crescimento, provavelmente teríamos de dar um passo atrás em termos de capital. Mas, para mim, sempre quis acreditar que tal não significaria obrigatoriamente virar as costas. Sentia — e continuo a sentir — que ainda tenho um bonito e importante papel a cumprir ali.
Por isso, decidi continuar. Continuar a trabalhar ao lado das pessoas que sempre estiveram comigo. Porque acredito que o respeito por quem nos ajudou a construir algo não termina com uma assinatura num contracto ou com o dinheiro que resulta de um negócio. Pelo contrário: é aí que ele mais se prova.
Não o vejo como um acto de desistência, porque não o é. Foi um acto de visão e responsabilidade. Porque quando acreditamos verdadeiramente em algo, queremos que isso floresça, mesmo que o nosso papel precise de se adaptar. Ficar na empresa foi uma forma de garantir continuidade, de dar estabilidade à equipa e de mostrar que, apesar das mudanças, o compromisso mantém-se inabalável.
Foi um processo emotivo, muito emotivo. Não há como negar. Mas foi também um processo de paz. De saber que estava a fazer o correcto. Que estava a proteger o futuro de algo que me é — e sempre será — muito querido.
Saber tomar decisões difíceis no momento certo é uma competência que tem tanto de raro como de precioso. Porque é fácil mantermo-nos onde estamos, por conforto ou hábito. Difícil é reconhecer que, para algo continuar a crescer, talvez seja preciso mudar. Ainda que mude mais para nós próprios que para qualquer outra pessoa. Gosto de o ver como sinal de maturidade, de verdadeiro exemplo de liderança, de verdadeiro amor por aquilo que ajudámos a construir.
Hoje sigo com uma nova visão, um novo papel, mas com o mesmo compromisso de sempre. E a empresa? Essa continuará a crescer, com energia renovada, com margem para voar mais alto e isso, para mim, é o verdadeiro sucesso: ver algo que ajudámos a criar continuar a prosperar. Poder fazer parte dessa nova fase, faz-me manter o mesmo orgulho de sempre.
A todos os que comigo privaram ao longo desta longa, intensa e desafiante jornada, o meu muito obrigado. Aos clientes e fornecedores, aos trabalhadores e aos meus sócios, a minha eterna gratidão. Mas não fiquem com uma ideia errada que este é o fim da história. Do equilíbrio da emoção e da racionalidade considero que esta é apenas uma vírgula numa história que hoje está ainda mais preparada para ser de contínuo sucesso.
*Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico.


