Opinião: Os reis magos e a campanha eleitoral

É bem conhecido o relato evangélico da visita de magos do Oriente ao menino Jesus, recém-nascido em Belém. É apenas o evangelista Mateus, grande conhecedor das tradições judaicas, que o refere, começando por apresentar a chegada dos sábios a Jerusalém com as seguintes palavras: «Onde está o rei dos judeus que nasceu? Vimos a sua estrela no oriente e viemos adorá-lo».
A referência a magos remete com probabilidade para sacerdotes persas do zoroastrismo. Entre as tarefas das classes sacerdotais da altura, contava-se a monitorização dos céus diurno e noturno, essenciais para a contagem das horas e das estações. Tratava-se de um trabalho de suprema importância para a boa regulação da agricultura, e que por si só justificava plenamente a existência desta classe. O tempo livre para o estudo e para a observação da Natureza fez destes sacerdotes primitivos, ainda que de forma não sistemática, os primeiros filósofos. Não espanta assim que o evangelista justifique a chegada dos magos com a observação de uma estrela.
O teor das ofertas trazidas ao recém-nascido é o adequado ao rei proclamado pelos magos: ouro, incenso e mirra. O ouro, metal incorruptível, que mantém sempre o seu brilho, associado ao bom governo. Incenso, fragrância utilizada então como hoje nos mais solenes rituais religiosos. Mirra, que na época era um perfume utilizado na preparação dos mortos para a sepultura.
Os sábios do Oriente, com as suas ofertas, desejam assim que este novo governante dos judeus resplandeça pelas suas boas decisões, tomadas não em interesse próprio mas no interesse do povo. Ao mesmo tempo, delimitam o quadro em que deve, ainda hoje, decorrer a boa governação: desde logo no respeito pela lei “natural”, básica e geral, expressa no princípio “fazer o bem e evitar o mal”. Nas palavras de Bento XVI, ”a lei natural é a nascente de onde brotam, juntamente com os direitos fundamentais, também imperativos éticos que é necessário respeitar”. Sempre com plena noção das contingências da humanidade a que, governantes como governados, todos pertencemos. Nas palavras que Händel utilizou para um dos seus hinos de coroação, parafraseando o salmo 89: “Que o teu trono assente na justiça e no discernimento. Que a misericórdia e a verdade estejam diante da tua face.”
O episódio evangélico dos magos relata ainda o encontro com um mau governante, Herodes. Apesar de inicialmente tomarem como boas as suas palavras, os magos acabam por usar as indicações que lhes parecem melhores para decidir o caminho a seguir.
Numa altura em que, como eleitores, nos preparamos para tomar decisões importantes sobre a governação do país, estes sábios que vieram do Oriente continuam a inspirar-nos: não só como observadores atentos da realidade, mas também na humildade com que se colocam a caminho. Apesar de, no seu percurso, se enganarem e serem enganados, não deixam de usar os critérios que lhes parecem mais adequados. E, por último, trazendo consigo sábios presentes – ainda hoje com utilidade para todos, desde o mais humilde dos candidatos ao Rei dos Reis.