Opinião: O Embaixador
Não me recordo de grandes críticas quando Soares visitou a Venezuela de Hugo Chávez, nem quando este veio a Portugal. Soares referiu-se a Hugo Chávez como um “amigo”. Antes (2007), chegou a estar presente num jantar oficial em Lisboa oferecido pelo primeiro-ministro José Sócrates a Hugo Chávez. Tudo sob a bandeira oficial portuguesa. Zero comoção. O mesmo quando José Sócrates encabeçou uma comitiva de 60 empresários ao Qatar e Emirados Árabes Unidos, para incentivar as exportações e a internacionalização das empresas portuguesas e, ao mesmo tempo, vender dívida soberana portuguesa. Nada de mais. O ex-Ministro da Defesa, Paulo Portas, esteve em visita oficial à Arábia Saudita em 2003 e o actual presidente Marcelo Rebelo de Sousa já esteve nos EUA e foi recebido por Donald Trump na Casa Branca. Imagine-se que até falaram de Ronaldo! E “toda a gente” pareceu estar satisfeita.
Grande emoção houve quando a família Obama escolheu um cão de água português. Não faltaram destaques na imprensa nacional e um sentimento de orgulho pelo reconhecimento internacional da raça. A Entidade Regional de Turismo do Algarve chegou a manifestar-se disponível para oferecer um exemplar da raça à família Obama, como forma de promover a região e a raça. Chegou a ser sugerido que a embaixada norte-americana em Lisboa “teve dedo” na escolha do cão português para melhorar a amizade entre os dois países. Ao contrário de Trump, a percepção da opinião pública portuguesa sobre Obama era positiva. Quando Bo, o cão, morreu em 2021, também não faltaram notícias de pesar em Portugal.
Mais de uma dezena de jogadores portugueses jogam na Arábia Saudita, e muitos são convocados para a selecção nacional. E também há treinadores. Ronaldo está lá desde 2022 e, se a memória não me falha, nunca houve problemas éticos com isso. Houve até “aplausos” quando assinou pelo clube por 200 milhões de euros, acrescidos de outros 200 milhões para ser embaixador da candidatura saudita para o Mundial de 2030, um acordo que, certamente, não teria sido possível sem o apoio dos membros da realeza saudita ligados ao Al Nassr, nomeadamente o príncipe herdeiro Mohammed bin Salman, num negócio provavelmente impossível para um clube de futebol, pois foi financiado pelo próprio fundo soberano da Arábia Saudita.
Ronaldo não é chefe de Estado, de governo ou sequer diplomata de carreira. Mas é enorme a repercussão de tudo o que faz (o que se deve ao seu trabalho!), como se prova pelo tumulto noticioso. Foi convidado e aceitou ir a um jantar com presidente dos EUA, que pelos vistos é o “verdadeiro problema”. Sobre a visita, Marcelo elogiou Ronaldo e Miguel Albuquerque não perdeu a oportunidade de afirmar que “É um orgulho para a Madeira” a ida de Ronaldo à Casa Branca, reforçando o papel de “grande embaixador” reconhecido ao jogador e enfatizando a “projecção” desta visita para a Madeira. Convém recordar que nove portugueses foram recebidos na Casa Branca, mas Ronaldo é o único a quem foi oferecida a chave da mesma, um gesto simbólico que pode fazer mais pela relação entre os dois países que um cão. Pelo terramoto noticioso, até pode fazer mais do que todas as outras visitas consideradas em conjunto.

