Opinião: Lições de Auschwitz

Oitenta anos volvidos sobre a inicial descoberta do Holocausto, mudou alguma coisa na natureza das coisas do mundo?
A libertação do campo pelo Exército Vermelho foi, uma enésima vez mais, pretexto para cerimoniais, pompas, juras, silêncios e negações.
O campo, campo santo do impensável, do indizível e do invisitável tornou-se objeto de consumo turístico, roteiro de selfies, de emoções instantâneas e de comoções descartáveis.
E a Solução Final, alicerce ideológico do extermínio, configurada como símbolo único do mal radical.
O problema é que o mal radical não se cura com visitas guiadas nem com filmes de Hollywood, ainda que realizados por Spielberg.
A leitura dos desencantados relatos de Primo Levi (Se isto é um homem) e de Hannah Arendt (Eichmann em Jerusalém), ao lado dos desolados fotogramas de Alain Resnais (A noite e o nevoeiro) e de Claude Lanzmann (Shoah), mostram o interdito, o que não pode ser dito, o impronunciável: este mal não é excecional, é banal. E é incurável. Pois tem raiz no mais fundo da natureza humana.
Maquiavel bem o compreendeu, antes de todos, no frio teorizar da imunidade da raison d’ État a considerandos, contaminações e contágios éticos.
Pois a ética é a barreira única face à barbárie.
O Mal dá-se mal com imperativos morais. O Poder dá-se mal com mundivisões éticas. Daí, a tenaz e continuada política de erradicação dos universos axiológicos dos campos do poder político, do poder económico e do poder social.
Auschwitz não inaugurou o tempo dos holocaustos. Deu-lhes uma métrica nova. E uma natureza tecnocientífica e industrial.
O homicídio em massa não acabou com Auschwitz.
Lá fora, o mundo não permite desmentido.