diario as beiras
opiniao

Opinião: Descolonizar o pensamento, para um mundo mais sustentável e justo

19 de outubro às 11 h43
0 comentário(s)

Nos corredores da Academia, bem como nos territórios onde a natureza se interconecta com a vida em sociedade, fui-me confrontando com o desafio – além de entender o outro e até como condição para essa compreensão – de questionar ‘as lentes’ através das quais olhamos o mundo. Essas lentes são construídas socialmente e informadas culturalmente. Não são a forma ‘natural’ nem a única de olhar o mundo. Por isso a necessidade do exercício da desconstrução ser transversal a todas as culturas – ninguém está isento, nem aqueles que reclamam um ‘lugar de fala’ particular, ou um estatuto particular que nos dá mais ou menos direitos à fala, isto é, o direito a ser, ou não, ouvidos. Tendo esta experiência de ter vivido e trabalhado em ambientes culturalmente distantes, tanto geograficamente como epistemologicamente, esta necessidade de descolonizar o pensamento e as ações tornou-se mais evidente, presente e urgente.
A velha máxima “Em Roma, sê romano” ecoa frequentemente como um conselho prático para a adaptação. No entanto, essa frase, aparentemente inocente, carrega uma enorme armadilha: a de aceitar passivamente que, em qualquer contexto, devemos subordinar-nos aos modos dominantes, sem questionar a hegemonia de um único sistema de valores ou saberes. Esse modo de pensar, sugerido pela metáfora de ser “romano”, implica uma conformidade que frequentemente apaga a diversidade, relegando-a ao status de o “exótico” ou de o “outro”, distante, estrangeiro, diferente.
A proposta de descolonizar o pensamento é, justamente, o oposto de simplesmente “ser romano”. Ela alerta-nos para a necessidade de questionar as estruturas dos sistemas hegemónicos e para lhes resistir. Na minha vivência de trabalho com povos e comunidades não ocidentais, fui confrontada com a dificuldade de traduzir essas realidades pelas categorias do conhecimento ocidental. As suas formas de vida traduzem sistemas de pensamento e ação que desafiam um pensamento linear e universalista, digamos, e revelam a riqueza dos seus saberes para compreender e para agir num mundo que nos confronta perante desafios muito semelhantes a nível socio-ecológico, por exemplo. Mas, não é preciso ir tão longe. Mesmo aqui, bem ao nosso lado, nos deparamos com essa diversidade de saberes que foram submetidos ao saber dominante.
Por isso, descolonizar o pensamento não é apenas um exercício de abertura intelectual, mas uma prática de humildade, empatia e de escuta atenta. Em primeiro lugar exige reconhecer que o conhecimento é plural e por isso devemos criar espaços-tempos onde a diversidade tem lugar e se pode expressar. Nestes espaços-tempos não podemos deixar de fora a natureza que, também carregada de diversidades, não pode mais continuar a ser vista como um mero recurso a ser explorado, mas antes um conjunto de agentes com quem coabitamos. No centro desta mudança de paradigma está a necessidade de nos vermos livres do antropocentrismo e do etnocentrismo, que ilusoriamente nos coloca no topo de uma hierarquia, e de passarmos a reconhecer o valor intrínseco de todas as formas de vida, não só para compreender este mundo em que vivemos, mas também para agir nele, tendo em vista um mundo mais sustentável e justo na sua diversidade e múltiplas formas de existência, onde todos os saberes e formas de ser têm igual lugar.

 

Autoria de:

Opinião

Deixe o seu Comentário

O seu email não vai ser publicado. Os requisitos obrigatórios estão identificados com (*).


Últimas

opiniao