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Opinião: Da pobreza e da justiça

26 de outubro às 11h21
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Se o sistema prisional está carregado de pobreza mental, moral e intelectual, temos uma demonstração cabal de que a sociedade está doente. De facto, entre doze mil encarcerados há apenas 900 mulheres, e há 7,5% de presos devido a reincidências com problemas de condução e apenas 7% associáveis a crimes de sangue, violência grave. Nestes uma grande parte exerceram o crime violento no seio da família, na proximidade de casa.
Sabemos, com “o Erro de Descartes”, de António Damásio, em 1994, que há uma probabilidade muito elevada das lesões frontais (quer por alcoolismo, trauma, AVC) estarem presentes em comportamentos imorais. Já Oliver Sacks tinha descrito neuropatias associáveis a alterações pós trauma, ou consumos excessivos de álcool.
E até onde pode ir o mapeamento dos erros comportamentais na imagiologia funcional do cérebro? Se descobrimos que todos os criminosos têm a mesma lesão no mesmo lugar do cérebro? Se encontrarmos um padrão comum em todos os pedófilos? Então podemos retirar o ódio da equação punitiva e colocar um sentido terapêutico. Na verdade podíamos faze-lo já, antecipando o que parece óbvio.
Hannah Arendt escreve em 1962 um texto jornalístico onde antecipa a ideia de “banalização do mal”. Eichman, o carcereiro, o criminoso, era afinal um funcionário da máquina da maldade. Ela está já a retirar a culpa e a projectar uma resposta intelectualizada daquilo que até ali é apenas ódio, vingança e emoção. É um escândalo para todos, e um tempo difícil para Arendt.
Clément Rosset ( 1939-2018 ) tentava investigar o real a partir da sua relação com a ilusão, e o imaginário, tentando perceber como muitas verdades consistiam em visões do mesmo real. A realidade é pois única, mas escalpelizada por uma série de interpretações e visões, ou até convicções.
Se a comunicação é importante à realidade social, estamos perante a importância da linguagem como esteio das relações sociais. A linguagem é, pois, a forma de contacto entre as células do tecido social. A forma como nomeamos, interpretamos, é o modo como depois nos expressamos. A gritaria, a vozearia, o apontar de dedos acusatórios são uma realidade nova, que funciona como doença da comunicação. No fundo a colocação de informação nas máquinas, permitindo a aprendizagem delas, vai com este vício de forma, se não estiver expurgada das pretensões conflituantes, do individualismo egoísta, da banalização do mal.
A parede celular é dona de umas características complexas para transmitir, propagar, amplificar e guardar informação. Nós também.
A justiça tem de ser a virtude primária das instituições que nos garantem a democracia, o sistema livre, a sociedade aberta. Carecemos nesta deriva de uma conceptualização que projecta deveres e direitos. O imperativo categórico de Immanuel Kant já especificava a importância da permissibilidade, como sendo aquilo que era possível aplicar a todos.
Temos pois de estar de acordo sobre os sacrifícios que estamos dispostos a pagar para não ter pobreza, para construir argumentos razoáveis, ter intersecções de conhecimento que sobressaltam sabedoria, e desse modo termos uma vida melhor.
Regressemos à pobreza como desigualdade (“Pobreza e fomes”, Amartya Sen 1980 ) e temos a necessidade de compensações e sacrifício para reduzir o que Dickens já afirmara: “nas crianças, não há nada mais finamente percebido, que a injustiça”. Com John Rawls ficou clara a premência da equidade em relação à liberdade. Porque a penúria dos pobres afecta o bem estar de todos (externalidade da pobreza), é fundamental reduzir a pobreza. Reduzindo a pobreza, e aumentando a cultura, tendo políticas de saúde mental mais activas e menos líricas, reduzimos a criminalidade. Claro que ajuda ter videovigilância, ter a presença da autoridade visível. O que não se pode esquecer é que as convicções devem vir dos conceitos e estes são os pilares da justiça e das instituições que a devem garantir.

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