Opinião: Acusações e sensações
 
                                        
                                    Reajo com mais violência aqui e ali pela irreflexão das opiniões. Sei que me calha uma ou outra vez fazer o mesmo. Dizem algo e eu respondo sem cavar informação, sem raciocinar sobre a acusação ou sentença. A deselegância é hoje transversal aos parlamentos europeus democráticos. Nada que não tivesse havido nas Repúblicas descritas por Eça de Queiroz e Almada Negreiros. Na realidade, a bengalada e o insulto eram uma forma contusa de expressar opinião, ou esgrimir certezas mais do que conhecimentos. Não sendo novidade, é uma nivelação pela mão na anca, pela chinela no pé. Varinas gritam impropérios e acusam-se de aldrabões. Carroceiros ameaçam-se e batem no peito como chimpanzés. A realidade que nos ofende é a da impressão, a da convicção, mesmo se desprovida de dados, de detalhadas pesquisas. A ideologia cega a interpretação, porque reduz tudo ao particular, excluindo da imagem global. Claro que uma imagem vale por mil palavras e o telemóvel construiu uma observação pictórica da sociedade. Não há nada mais obvio que os segundos guardados pela câmara de “um celular”. Não importa o contexto, não importa a fração gravada, não conta saber algo mais do que se passou: o julgamento é agora! A condenação é já. E como a imagem não se dilui, a realidade converte este já num memorial persistente. O já pode ser amanhã e dentro de um ano. Um processo persecutório do carácter nasceu assim.
A força ideológica separa coisas iguais dependendo da interpretação e dos actores: O Sudão tem números muito mais aberrantes do que Gaza e esta tem uma inflação da informação. O que se passa no Haiti é uma aberração humana, mas não está sob escrutínio. A sensação de perseguição e crime na África do Sul, contra os brancos lá fixados há quatrocentos anos, nunca é interpretada como racismo.
Los Angeles está a ferro e fogo por duas razões conhecidas: uma, por ordem da administração Trump levou a AIMA respectiva a ir em busca de imigrantes ilegais. A outra, por decisão da governação da Califórnia, estes policiais do Estado não foram protegidos pelas autoridades locais quando perseguidos e violentados. Assim Trump enviou recursos federais para a Califórnia. O que interessa para este artigo? Primeiro a noção de que escolhemos no cesto dos argumentos, sempre e só o que nos interessa. Depois que a realidade vem sempre mutilada de verdades e de conceitos ideológicos.
Estamos neste ponto dos debates: contundência argumentativa, desfigurando o contexto e a realidade. A leitura das agressões em Lisboa é um exemplo extraordinário. Um murro no actor da Barraca, teve muito mais informação que a morte de um cigano que tentou impedir o casamento forçado da irmã de 14 anos. Os boçais do futebol e a persistente anomalia do hooliganismo ficaram em segundo plano do comentário político. Sempre a escolha da maçã em vez da banana ou do melão. Sempre a interpretação acusatória e o dedo em riste para um fim específico .
 
                            
 
                 
                 
                