Opinião: A ministra da Saúde aguenta-se? Por quanto tempo?
“No dia em que o senhor primeiro-ministro entender que chegou ao fim a minha missão, nesse dia, eu termino. Até lá, permanecerei, porque governar é enfrentar problemas e assumir responsabilidades, encontrando soluções”, afirmou Ana Paula Martins.
Esta resposta aparece de cada vez que se pede a sua demissão porque houve um “facto novo” no SNS. Já foi por ela repetida à exaustão, tanto durante a vigência do governo anterior como na deste. Nestas últimas semanas, foram o doente que faleceu durante a greve do INEM, a idosa que sucumbiu durante o apagão e as duas grávidas que perderam os seus bebés depois de procurarem uma resposta de urgência.
E, ainda, os constrangimentos das urgências encerradas e o problema dos helicópteros de emergência médica, sem esquecer o “abuso” do SIGIC. De facto, é preciso ter estômago para aguentar tanta adversidade!
É evidente que nenhuma das situações acima descritas foi de responsabilidade direta da Ministra. Fala-se na responsabilidade política, um termo difícil de definir, mas se um ministro tiver que se demitir de cada vez que alguma coisa correr mal, teremos um governo diferente todos os dias. Os agentes políticos têm, pois, de ser mais moderados e honestos nas suas observações e conclusões.
Antes de desenvolver mais esta Opinião quero aqui confessar que foi com surpresa que recebi a notícia da sua escolha para o Ministério da Saúde em 2024. Até então, tinha sido Presidente do Conselho de Administração do Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte (Hospital de Santa Maria), entre dezembro de 2022 e janeiro de 2024, isto é, cerca de 13 meses. Anteriormente, tinha sido subdiretora da Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa desde 2020 e exerceu o cargo de Bastonária da Ordem dos Farmacêuticos entre 2016 e 2022. Tinha, pois, uma experiência direta em administração de saúde de pouco mais de um ano, o que considero pouco para este Ministério tão difícil (talvez o mais difícil).
E a sua recondução para este novo governo colheu de surpresa muitos de nós. Porque, de facto, o último ano não nos tinha trazido grandes modificações no estado do nosso SNS, apesar da promessa inicial de que tudo estaria diferente no prazo de 6 meses. E, claramente, não está! Mas será que o estaria nas mãos de outrem? Não estou a ver de quem!
Como já tantas vezes aqui repeti, o SNS necessita de reformas estruturais profundas. No programa do atual governo estão incluídas a revisão da Lei de Bases da Saúde de 2019 (para a tornar “menos socialista”), a criação de novas USF Modelo C e o retorno às parcerias com Setores Social e Privado (PPP). Ainda, a instituição de urgências regionais, com equipas partilhadas entre hospitais, priorizando especialidades críticas como obstetrícia e pediatria, as que mais problemas têm gerado. Estou em crer que, se tudo isto for conseguido, teremos dado um passo de gigante no sentido de tornar o nosso Sistema de Saúde mais eficiente e com menos desperdício. Mas, claro, vai demorar muito mais do que seis meses!
O caso das urgências regionais é paradigmático das resistências que a ministra vai enfrentar. Este sistema, que aproveitaria melhor os recursos humanos espalhados pelos múltiplos hospitais de uma determinada região, foi testado com sucesso noutros países desenvolvidos. Xavier Barreto, presidente da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares, defendeu a criação de urgências regionais e até disse que é uma medida “que já vem tarde”.
Mas logo veio a Presidente da Federação Nacional dos Médicos (FNAM) afirmar que “a criação de urgências regionais não vai resolver o problema da distância e o problema de as grávidas terem de continuar a correr tantos quilómetros. Antevemos que até seja uma tragédia anunciada, porque cada quilómetro a mais pode ser fatal”. Também contra estão os autarcas que nem querem imaginar que lhes possam tirar a sua urgência. Naturalmente, todos gostaríamos de ter uma urgência do outro lado da nossa rua. Do mesmo lado ainda seria melhor! Mas não é possível…
É, pois, óbvio que os obstáculos às reformas estruturais, que quase todos consideram essenciais para a solução dos problemas do SNS, são mais que muitos e resultam, na sua maior parte, dos interesses das várias classes profissionais. Cada vez que alguém tente mexer nesses interesses corre o rico de se “magoar”! A mudança da/o responsável do ministério não resolverá o problema. Se olharmos para última meia dúzia de ministros da saúde, teríamos de reconhecer muito conhecimento e capacidade, mas, por várias razões, nenhum conseguiu avançar significativamente na resolução das dificuldades do SNS.
Desejo, pois, que este governo, em geral, e esta ministra, em particular, se mantenham firmes e cumpram apenas o que nos prometeram. Contra tudo e contra todos, se necessário!



Não cumprirão o que nos prometeram. Mas depois estará cá para o constatar. Proponha-se o Sr. a Ministro da Saúde.