Opinião: A crónica do Durian

Na Ásia, onde os mercados são uma explosão de cores e aromas, há uma fruta que reina com distinção: o durian, a autoproclamada rainha das frutas. Com uma casca verde e espinhosa, parece um ouriço com aspirações de arma medieval. Contudo, não é o seu aspecto que causa tanta aversão, mas sim o seu inconfundível cheiro. Se eu tivesse que arriscar, diria que é uma mistura de cebola crua, esgoto e ténis de um adolescente. Quando está muito maduro, já a fermentar, o seu odor torna-se ainda mais intenso e, até, traiçoeiro, assemelhando-se perigosamente a gás. Na Malásia, Singapura, Tailândia e China o durian é uma diva. Há quem pague fortunas por um exemplar perfeito, descrevendo a sua polpa cremosa como “baunilha dos deuses”. Mas, por cada fã rendido, há uma dezena de pessoas que abomina o seu intenso cheiro. Hotéis, comboios e elevadores exibem placas a proibir o durian.
Em 2018, uma escola em Melbourne, na Austrália, viveu um episódio insólito: 500 alunos foram evacuados porque o cheiro de um durian, provavelmente a fermentar, foi confundido com gás. Alarmes dispararam, miúdos gritaram, bombeiros chegaram de sobrancelha arqueada. Tudo por uma fruta contrabandeada.
Eu própria fui apanhada pela rainha fedorenta, sem nunca ter arriscado provar a sua polpa. Estava grávida da minha filha, no início da gestação, quando o olfato vira um superpoder. Num domingo à noite, aproveitei o facto de estar sozinha em casa para me esparramar no sofá e ver uma série. A dada altura, levantei-me para ir à cozinha buscar um copo de água e fui subitamente surpreendida por um cheiro que gritava “gás!”. Corri para o fogão mas tudo estava desligado. Abri a porta de casa e constatei que no corredor do andar o cheiro conseguia ser ainda mais intenso. Bati à porta da vizinha, que confirmou: o fogão dela estava impecável. Chamei o porteiro, abri janelas, respeirei fundo. Nada. O cheiro teimava em ficar. O sono aproximava-se, e eu, com medo de adormecer, resistia como podia. Até que, às onze da noite, já no limite do pânico, liguei para os bombeiros. Dez minutos depois apareceram um carro dos bombeiros, duas ambulâncias e duas motas da polícia. Nove bombeiros entraram pela casa em modo missão, com botas de combate, pés-de-cabra e aparelhos de última geração para medir gás. Revistaram a cozinha: nada. O corredor do piso: nada. A casa da vizinha: também nada. Até que descobrem o culpado: um durian a fermentar no caixote do lixo comunitário, com um cheiro tão convincente que parecia uma fuga de gás. Nove bombeiros, uma comitiva de viaturas de emergência e eu, grávida, cheia de vergonha e a tentar não me rir da cilada do durian.
O durian é a prova de que, na Ásia (e até na Austrália), o trono não se ganha com beleza ou delicadeza, mas com personalidade.
Nota: A história da escola em Melbourne, em 2018, aconteceu mesmo. Quanto à minha aventura com os bombeiros? Também verdadeira, hilariante e sem uma única dentada num durian!
Pode ler a opinião de Francisca Beja, que reside em Macau, na edição impressa e digital de hoje (02/10/2025) do DIÁRIO AS BEIRAS