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Opinião: A cidade como palco do“espetáculo eleitoral”

26 de outubro às 11 h20
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Em 1967, o teórico francês Guy Debord publicou o livro «A Sociedade do Espetáculo». A ideia central da obra é que a mercantilização e o entretenimento, intrinsecamente ligados à lógica do capitalismo, invadem todos os aspetos da nossa existência, transformando relações sociais, valores e experiências em mercadorias.
Seis décadas depois, a crítica de Debord parece mais atual que nunca. Mesmo a arena política – idealmente um espaço de debate e de construção coletiva – tem-se tornado, cada vez mais, num produto de crescente consumo visual, onde a estética e a performance dos candidatos se sobrepõem muitas vezes à substância das suas propostas.
Sobretudo durante períodos de campanha, o confronto político-partidário intensifica-se e as cidades transformam-se em verdadeiros palcos do “espetáculo eleitoral”. Os diversos partidos, dos mais influentes aos menos conhecidos, contribuem para um guião cuidadosamente encenado a partir de performances que se vão desenhando no espaço público: distribuem-se sorrisos, apertos de mãos, abraços, entre outras encenações carismáticas raramente vistas fora dos ciclos eleitorais. Mas, mais importante para esta discussão, cartazes são espalhados pela cidade, adicionando novas cores a um frenesim inconfundível. O objetivo é capturar as emoções do eleitor, apelando à esperança e aos anseios de um futuro idealizado, mas nem sempre com a profundidade necessária para cumprir as promessas que são feitas.
Para o cidadão mais atento, o espetáculo expõe paradoxos curiosos. Um deles é o que poderíamos chamar de paradoxo da sustentabilidade ambiental. No seguimento das eleições, aqueles que nos prometem um futuro mais ecológico esquecem-se de remover a propaganda política espalhada em ruas, parques e passeios. Promessas por cumprir acabam, assim, eternizadas em outdoors por meses ou anos, transformando o espaço público num mosaico de papel rasgado, arames soltos e faixas desbotadas pelo tempo.
Em alguns casos, a propaganda eleitoral deixa marcas mais indeléveis na cidade do que as ações do governo do candidato eleito. Em Santa Clara, por exemplo, há mais de 15 anos que um graffiti num lancil da Avenida do Lagar insiste em desafiar os transeuntes a votar num candidato. Noutras situações, as promessas da propaganda chocam frontalmente com a realidade. As estruturas metálicas, que permanecem plantadas indefinidamente nos passeios, recordam aos desafortunados peões de várias ruas de Coimbra, que as promessas de uma cidade acessível não passavam de um artifício do “espetáculo eleitoral”.
Se é verdade que a ocupação temporária do espaço urbano com propaganda política faz parte de um processo democrático saudável, a sua remoção após as eleições deveria ser um imperativo ético e regulatório ao qual os próprios partidos e as entidades competentes deveriam dar resposta.

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