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Privatizar a esperança? Quando a escola pública deixa de ser prioridade

06 de novembro às 11 h59
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A educação em Portugal vive um momento de tensão e incerteza, como um navio à deriva entre promessas não cumpridas e urgências ignoradas. A escassez de professores, a estagnação do investimento público, a rigidez dos modelos pedagógicos e a crescente procura pelo ensino privado desenham um retrato preocupante, – mas também revelador -, de um sistema que precisa urgentemente de ser repensado.

A falta de professores é hoje o problema mais gritante. Segundo dados recentes, há 480 agrupamentos escolares com horários por preencher, afetando milhares de alunos, sobretudo nas regiões da Grande Lisboa, Setúbal, Alentejo e Algarve. Esta carência não é nova, mas agravou-se com a falta de atratividade da carreira docente, marcada por salários estagnados, instabilidade contratual e desvalorização social. O recente Decreto-Lei n.º 15/2025 tentou mitigar o problema com incentivos à mobilidade e alterações nos concursos, mas as medidas têm sido classificadas como “pensos rápidos mal colados”.

A par desta crise humana, há uma crise estrutural. As plataformas de apoio ao ensino continuam desatualizadas, fragmentadas e pouco intuitivas. A transição digital, acelerada pela pandemia, revelou-se mais cosmética do que funcional. Muitos professores continuam a improvisar com recursos próprios, sem formação adequada ou suporte técnico. A promessa de uma escola digital permanece, para muitos, uma miragem.

Outro ponto crítico continua a ser a imposição de exames como medida universal de avaliação. Esta prática, que privilegia a memorização em detrimento da compreensão, impõe uma pedagogia uniforme que sufoca a criatividade e a diversidade de métodos. A escola transforma-se num campo de treino para exames, em vez de ser um espaço de descoberta, pensamento crítico e cidadania.

Neste cenário, cresce o número de famílias que optam pelo ensino privado. Os colégios privados, muitas vezes com melhores condições materiais e maior estabilidade docente, lideram os rankings escolares e atraem cada vez mais alunos. O Governo reforçou recentemente o apoio financeiro a colégios de ensino especial com mais 2,9 milhões de euros, transferindo para o privado as incapacidades de resposta pública.

No fundo, a mesma estratégia de sempre. A escola pública, pensada como espaço de inclusão, arrisca tornar-se um lugar de exclusão, enquanto o ensino privado se afirma como refúgio para quem pode pagar.

Mas será o privado o futuro desejável da educação? A resposta não é simples. O ensino privado pode ser uma alternativa válida, mas não pode substituir o compromisso do Estado com uma escola pública de qualidade, inclusiva e equitativa. A educação é um direito fundamental e um motor de mobilidade social. Desinvestir na escola pública é perpetuar desigualdades.

O momento exige coragem política e visão estratégica. Investir na educação não é um custo, é uma alavanca para o desenvolvimento. Não é uma despesa, é um investimento para erradicar a pobreza e elevar o nível de vida do país.

É urgente valorizar os professores, modernizar infraestruturas, diversificar os métodos pedagógicos e garantir que nenhuma criança fique para trás por falta de recursos ou oportunidades. A escola pública não pode ser apenas defendida, tem de ser reinventada, com ambição e compromisso coletivo.

Autoria de:

José Afonso Baptista

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