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Opinião: O Escarro

27 de outubro às 11 h20
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Há muito que as redes sociais deixaram de ser apenas espaços de convívio ou partilha de ideias para se tornarem verdadeiras arenas de combate político. O que deveria ser uma ágora moderna — um espaço para o confronto saudável de opiniões — transformou-se num campo minado de insultos, radicalismos e intolerância. As eleições autárquicas e o projeto legislativo em torno das “burcas” foram disso um exemplo claro.

Mas o problema não está nas redes em si, mas na forma como elas moldam o comportamento humano. Os algoritmos privilegiam o choque, o escândalo e o exagero. A lógica da atenção recompensa quem grita mais alto e quem ofende mais, não quem argumenta melhor. E assim, aos poucos, a razão vai perdendo espaço para a emoção; o diálogo cede lugar ao confronto.

Hoje, a moderação é vista como fraqueza. O equilíbrio, como covardia. A capacidade de ouvir o outro, como traição à própria “tribo” ideológica. Vivemos numa era em que a complexidade é sacrificada em troca de “slogans” e frases de efeito. E o resultado é um empobrecimento profundo do debate público, em que os extremos se alimentam mutuamente enquanto o centro se esvazia.

Esta degradação do discurso tem consequências reais. A polarização digital contamina a política real, endurece posições e mina a confiança nas instituições democráticas. Quando tudo é reduzido a “nós contra eles”, perde-se o espaço da construção comum — e é nesse vazio que o populismo prospera.

Mas há uma responsabilidade individual e coletiva que não pode ser ignorada. Cada partilha impensada, cada comentário inflamado, cada “like” dado à indignação contribui para este ciclo tóxico. Não se trata de silenciar a crítica, mas de recuperar a noção de que o outro não é um inimigo, mas um interlocutor.

O desafio, portanto, é reencontrar o valor da conversa civilizada. Devolver à política — e às redes sociais — o respeito pela diferença. Tolerar não é concordar: é reconhecer o direito do outro a existir e a pensar de forma distinta.

Enquanto persistirmos neste ruído ensurdecedor de certezas absolutas, continuaremos a destruir o que resta do diálogo público. E sem diálogo, a democracia deixa de respirar. Infelizmente é esse o objetivo de alguns!

Autoria de:

Ricardo Castanheira

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