Opinião: Por um Código do Consumidor

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No passado dia 15 de março comemorou-se o Dia dos Direitos do Consumidor. Apesar de ainda não ter consagração oficial, esta data é celebrada por todo o mundo, ancorada num famoso discurso de John Kennedy ao Congresso, a 15 de março de 1962, onde o presidente dos EUA proferiu a conhecida alocução: “Consumers, by definition, include us all”.
A Direção-Geral do Consumidor celebrou o dia com uma conferência que enfrentou dois dos desafios recentes nesta matéria: as ações coletivas para defesa dos direitos dos consumidores, e que foram objeto de regulamentação recente, e a comunicação comercial no mercado digital, versando em especial sobre o papel dos influenciadores, quer os humanos, quer os puramente virtuais, nas escolhas do consumidor. Como sublinhou o Diretor-Geral do Consumidor, Pedro Portugal Gaspar, os direitos dos consumidores estão constitucionalmente consagrados e não podemos olvidar o lugar que devem ter na nossa ordem jurídica.
Perguntemo-nos, então, como vai a proteção do consumidor em Portugal. A resposta não é, de modo nenhum, desanimadora. Não há sistemas perfeitos, mas o nosso país é normalmente apresentado como um exemplo a seguir no que à proteção do consumidor diz respeito. Em particular, no plano da concretização dos direitos dos consumidores, temos um sistema de resolução de litígios que permite uma resposta qualificada, célere e tendencialmente gratuita. Os habitantes do distrito de Coimbra, por exemplo, e com exceção dos do concelho da Pampilhosa da Serra, têm ao seu dispor o CACRC-Centro de Arbitragem de Conflitos de Consumo da Região de Coimbra, onde podem obter informação atualizada sobre os seus direitos e, em última análise, verem resolvido, gratuitamente, o litígio que os opõe ao profissional. Mas todo o território português está, atualmente, coberto por uma rede de resolução extrajudicial de litígios, que integra os centros de arbitragem de conflitos de consumo autorizados.
Ao nível legislativo, porém, o sistema beneficiaria com uma intervenção reformadora. A legislação é prolixa, os diplomas são dispersos e por vezes sobrepõem-se: o regime contraordenacional nem sempre se coaduna com a proteção penal e os meios administrativos não estão totalmente articulados com os meios judiciais. A aprovação de um Código do Consumidor, à semelhança do que existe noutros países, como França e Itália, permitiria a compilação de toda a legislação em vigor, uma melhor sistematização dos regimes aplicáveis e, naturalmente, um melhor conhecimento dos direitos do consumidor por todos aqueles que são convocados a aplicá-lo, sejam as autoridades judiciárias, administrativas e associativas, sejam os próprios profissionais (que muitas vezes desconhecem os deveres a que estão adstritos) e, até, os próprios consumidores.
Houve já passos nesse sentido. Em junho de 1996, António Pinto Monteiro, professor catedrático da Faculdade de Direito de Coimbra, tomou posse como presidente da Comissão para a Reforma do Direito do Consumo e do Código do Consumidor. O Anteprojeto do Código do Consumidor, apresentado em 15 de março de 2006, revelou o propósito da Comissão de ir além de uma mera compilação de leis dispersas e de elaborar um Código no sentido próprio do termo, com o que isso implica em termos de racionalização e de unidade sistemática. Respeitava e dava continuidade ao que já tinha sido feito no domínio da defesa do consumidor sem, todavia, se inibir de proceder às correções necessárias e de rasgar novos caminhos, quando se considerou importante dar esse passo.
O Anteprojeto foi objeto de amplo debate público e, em 2008, nas vésperas da crise financeira que assolou o mundo, foi entregue o Projeto final de Código do Consumidor, que, todavia, nunca foi oficialmente aprovado. Este documento, que entretanto se havia mantido desconhecido do público em geral, foi, no passado dia 15 de março, disponibilizado no sítio oficial do Centro de Direito do Consumo (www.cdc.fd.uc.pt). Funcionará, com certeza, como um elemento indispensável na reflexão que a comunidade científica e as instituições políticas deverão levar a cabo sobre o que deverá ser um Código do Consumidor e, correspondentemente, que caminho deverá trilhar o Direito do Consumidor em Portugal.

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