Opinião: Convivência democrática

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Estamos em plena crise de convivência democrática e eu interrogo-me se este problema tem razão de existir e se o País se deve mostrar mais dividido quando as crises aceleram. Mas a verdade é que a democracia não parece já ser capaz de escolher os pontos de união entre o que de humano existe no multipartidarismo, mesmo quando em regime de maioria absoluta. Todavia, esses pontos de união são os pontos que balizam a fonte dos valores para resistir.
A pandemia pôs a descoberto o disfuncionamento de serviços e falhas graves no sistema político: as insuficiências do SNS, as injustiças no tratamento de pessoas idosas nos lares, a falta de recursos e incentivos. A sensibilização para todos estes problemas de imensas injustiças ou as decisões controversas e a brincar com a democracia, tudo isso se transformou apenas em mediatização. E nem a sociedade dos vivos molestada por todas estas circunstâncias criou ainda uma solidariedade activa, nem os políticos serviram para ajudar fosse no que fosse, muitas vezes, bem pelo contrário. Falta o espírito da democracia, a democracia assente na transparência e nos pilares da justiça e da liberdade, liberdade com responsabilidade. Bem pelo contrário, o disfuncionamento do sistema político de hoje transparece numa supervalorização de acontecimentos que são verdadeiros epifenómenos, e alguns foram acontecendo ao longo destas semanas, transformando-se, ou parecendo, numa espécie de conspiração política:
O problema do pedido de demissão do secretário adjunto de António Costa e o mal-estar gerado à volta de uma situação que não foi devidamente acautelada ou a apresentação do livro de Carlos Costa com os comentários que se seguiram e as irrealidades conspiratórias de duelos em que se falou ou que metaforicamente aconteceram mesmo, faz pensar que ao grande poder político começa a faltar-lhe roupa para se vestir. Entretanto, a comunicação social, em vez de uma análise serena, perde-se com «faits divers» ao especular sobre a natureza da plateia dos convidados para a apresentação do livro, sobre quem participou e quem estava colado a quem.
E para terminar, não chegasse já a galeria de factos, alguns quase hilariantes, ainda surge o “futebol no Catar”, decidido há já vários anos, então sem contestações visíveis nos meios sociais, aceite pelas diversas selecções nacionais, inclusive a selecção portuguesa, que ao longo destes meses lutaram para estar presentes. Agora, qual virgens ofendidas, é que vem o ajuste dos direitos humanos?! Já não era conhecido esse problema, grave problema, quando foi decidido este “futebol no Catar”?! E tal problema não existiu já em campeonatos anteriores: China, Rússia, para citar apenas os mais recentes?! Só se discute o problema quando ele está em curso e não a tempo de ser prevenido?! E, como se tudo não bastasse, entram na berlinda mediática as críticas sobre a deslocação das três principais figuras do Estado!
O ruído mediático interessa a muitos, mas começa a ser demasiado e distrai sobre os aspectos mais importantes do País, os aspectos que, esses sim, importa analisar, discutir e solucionar. É tempo de o País ter um sinal de seriedade, de democracia. Apesar da crise que temos vivido ou atravessamos, primeiro uma pandemia que marca um século, depois a guerra na Ucrânia com as consequências de que se não vê ainda o fim e um contexto económico muito difícil de acompanhar, os portugueses esperam por um sinal de seriedade, precisam de saber claramente quais são as bases que estão a ser discutidas para lançar para o futuro, A democracia a isso obriga. A democracia é isso: transparência, justiça e liberdade com responsabilidade. Não é ruído mediático de quem quer andar em bicos-de-pés para ser visto.

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