Opinião: Tou sim?

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Vêm aí mais alterações ao Código do Trabalho, nomeadamente no que concerne ao teletrabalho. Contudo, a alteração que mais destaque tem obtido aplica-se a todos os trabalhadores e resulta de um novo artigo que, sob a epígrafe “Dever de abstenção de contacto”, estabelece que o empregador tem o dever de se abster de contactar o trabalhador no período de descanso, ressalvadas as situações de força maior. O tema chegou às páginas do jornal britânico The Guardian, num texto assinado pela líder parlamentar socialista, Ana Catarina Mendes. O tema não é propriamente novo, tem gerado discussão, mas os reflexos laborais provocados pela pandemia aceleraram esta solução.
A nossa Constituição consagra o direito ao repouso e a um limite máximo da jornada de trabalho, direitos estes de natureza análoga aos direito, liberdades e garantias. Com efeito, todos os trabalhadores têm direito “à organização do trabalho em condições socialmente dignificantes, de forma a facultar a realização pessoal e a permitir a conciliação da actividade profissional com a familiar”. A duração máxima do período semanal de trabalho tem sofrido diminuições ao longo do tempo, especialmente após o Acordo Económico e Social de 1990, desenhado pelos parceiros sociais. Entre nós, o limite fixou-se nas 40 horas a partir de 1997.
Nestas horas encontramos o tempo de trabalho, ou seja, o período durante o qual o trabalhador exerce a sua actividade ou permanece adstrito à realização da sua prestação, nele se incluindo muitas interrupções e pausas, algumas até expressamente previstas na lei. Na medida em que se entende por período de descanso todo aquele que não seja qualificado como tempo de trabalho, tem gerado discussão a qualificação daqueles tempos em que o trabalhador, apesar de não estar a executar a sua actividade, tem de estar disponível para o fazer. Exemplos como o comercial que está de férias, mas tem de ter o telemóvel ligado pois pode ser contactado e ter de regressar; ou o médico que está a descansar no hospital, mas pode ter de responder a uma eventual chamada.
Fruto da facilidade de conectividade permitida pelas novas tecnologias, atingiram-se patamares de ambiguidade e até mesmo contraditórios sobre as condições de trabalho: por um lado, posso ter maior autonomia e almejar melhor equilíbrio entre a vida pessoal e trabalho, mas por outro tenho a desvantagem de intensificação e sobreposição entre trabalho e vida pessoal. O tema do “direito à desconexão” tem vindo a ser resolvido entre os parceiros sociais e até por intermédio de políticas aplicadas em grandes empresas.
Ainda recentemente, em Junho de 2020, os parceiros sociais europeus aprovaram um Acordo-Quadro sobre a digitalização, que dispõe sobre possíveis medidas a acordar entre os parceiros sociais no que diz respeito à possibilidade de os trabalhadores ligarem ou desligarem do trabalho. Em Janeiro de 2021, o Comité Económico e Social Europeu organizou uma audição sobre o tema «Desafios do teletrabalho: organização do tempo de trabalho, equilíbrio entre vida profissional e pessoal e direito a desligar-se», que visou debater a protecção conferida aos trabalhadores em teletrabalho, no seio do quadro regulamentar da União Europeia e dos acordos entre os parceiros sociais em vigor.
Entre nós, pelos vistos optou-se por não aguardar pela negociação entre os parceiros sociais, aprovando-se no Parlamento uma alteração à lei. Nas palavras da dirigente socialista e líder da bancada parlamentar, “proibimos os patrões de contactarem os funcionários fora do horário de trabalho”.

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