Opinião: Os fins não justificam os meios

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Assisti no passado fim-de-semana ao filme de Patrícia Sequeira que narra a história de amor entre Sá Carneiro, o mítico fundador do Partido Popular Democrático (actual Partido Social Democrata), e Ebba Merete Seidenfaden, a fundadora da editora Dom Quixote, por todos conhecida como Snu Abecassis (designação que une a sua alcunha familiar, que dá nome ao filme e, em dinamarquês, significa ‘astuta’, ao apelido do marido que a fizera fixar-se em Lisboa no início dos anos 60 ).
A trama, entre as aventuras de um amor avassalador que, numa sociedade fechada e conservadora, gerou muitas críticas e dissabores, mostra o primeiro líder social-democrata como um político bem preparado, íntegro e corajoso, preocupado com o futuro de Portugal até ao fim da sua vida, que terminou tragicamente no dia 4 de Dezembro de 1980 num acidente de aviação, deixando-o (então já Primeiro-ministro de Portugal) irremediavelmente envolto numa aura sebastiânica que no seio dos sociais-democratas se mantém.
Com efeito, muitos ainda acreditam (romanticamente talvez) que aquele homem teria transformado o nosso país numa espécie de Escandinávia do Sul da Europa, enquanto os mais pessimistas argumentam que, caso a má-sorte não o tivesse vitimado precocemente, também Sá Carneiro já nos teria desiludido.
Durante boa parte da minha vida fiz parte daquele primeiro grupo, pois cresci com uma ideia daquele pequeno homem (que me fez amante da social-democracia) muito próxima daquela que o filme retrata. No entanto, há muito que pouco me importa conjecturar sobre o futuro do nosso País se aquele acidente não tivesse sucedido.
Contenta-me, sim, continuar a acreditar que é possível fazer de Portugal um país moderno, inclusivo, uma terra de oportunidades, povoada por gente boa, responsável, solidária e nobre, ainda que me vá tornando cada vez mais pragmática, focada em realizar os valores que cultivo, no encalce dos ensinamentos daquele meu ídolo juvenil para quem “em política, talvez mais do que noutros campos, o que conta e interessa é o que vamos fazendo, muito mais do que aquilo que nos propomos a atingir”.
Todavia, não confundo aquele pragmatismo com o cepticismo moral da Realpolitik (ao qual não me vergo), pois entendo que a acção política não se compadece com gincanas político-partidárias, mas antes deve ser sempre ideológica, e, portanto, vinculada a um conjunto de valores éticos e – digo-o absolutamente consciente do valor das palavras – à busca do bem.
É essa a natureza da acção política, tudo o resto é outra coisa qualquer, absolutamente distinta daquela acção. Tudo o resto será, muitas vezes, oportunismo… noutras ocasiões traduzirá, tão-só, mera idiotice…, mas política não é.
Desta confusão derivam – julgo – todas as trapalhadas que comprometem a vida pública contemporânea, pejada de mentiras, trapaças, cobardias, incompetências grosseiras, enfim… populismos desprezíveis de quem usa o desespero alheio em seu próprio e exclusivo proveito, e que, incompreensivelmente, não têm merecido a adequada sanção – a censura ética dos eleitores – como se a política fosse um jogo de boxe e naquela arena fossem admissíveis imposturas, embustes e outros golpes baixos. Não são admissíveis e nem são acção política, pelo que não deveríamos tolerá-los.
Não me conformo com tal condescendência (seja ela devida a múltiplas desilusões passadas ou a uma qualquer obediência, partidária ou afim) e, por isso, não dispenso o espírito crítico que me obriga a censurar os que me são mais próximos antes mesmo de criticar os meus opositores.
É por essa exacta razão que não desculparei qualquer acordo ou aliança com os Venturetes desta vida, da mesma maneira que, se fosse apoiante do Partido Socialista, não teria poupado a Geringonça. Não creio que haja méritos que possam justificar alianças com quem seja defensor de ideias atentatórias da democracia.
Tal como o malogrado líder social-democrata, acredito num partido pelo poder, mas sempre coerente. Nas suas próprias palavras, “Um partido existe para disputar o poder. Mas tem de resistir à atracção daqueles que procuram acenar-lhe com glórias… tem de saber resistir-lhes, em nome da fidelidade aos eleitores, em nome da fidelidade aos seus militantes”.
E é isto – nem mais nem menos – que me move, porque, ao contrário do que vulgarmente se diz, em política os fins não podem justificar os meios.

Pode ler a opinião de Filomena Girão na edição impressa e digital do DIÁRIO AS BEIRAS

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