Opinião: “Estação Nova”

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Nos dias em que os governos de Portugal se entretinham a alcatroar o retângulo lusitano, naquilo que parecia ser uma valente e ruidosa batalha contra o macadame, a ferrovia nacional ia fenecendo silenciosamente um pouco por todo o país. Mal-empregado tempo que milhões de portugueses, entre os quais me incluo, gastaram a memorizar as linhas e ramais que aproximavam os pontos cardeais desta terra! Outras urgências surgiram entretanto, que não as da mobilidade das pessoas – os industriais do betão precisavam dos chorudos contratos, os transportadores rodoviários precisavam de vender bilhetes e adquirir concessões, as PPP’s das autoestradas precisavam de faturar quilómetros (nem que fosse em vias paralelas de parco préstimo mas abundante rendimento).
Nos idos de 2002, andando por este país adentro, pude ver arder numa Fogueira de Natal em Trás-os-Montes dezenas de travessas da Linha do Sabor. Era um fogo ao mesmo tempo combustão e metáfora, a redução a cinzas de pedaços de um país cujos governos, de Bruxelas a Lisboa, decretaram uma guerra continuada ao caminho-de-ferro. A nunca suficientemente lamentada morte do Ramal da Lousã teve, afinal, lamentáveis precedências – nos primeiros 20 anos da fúria construtora de autoestradas e de fechos combinados de linhas férreas, Portugal perdeu 99 milhões de passageiros dos caminhos-de-ferro. De 231 milhões de viagens de comboio realizadas em 1988, passou-se para 131 milhões em 2009 (uma redução de 43 por cento), declínio que que se foi acentuando a golpes de degradação das vias, do envelhecimento do material circulante, do encerramento dos ramais regionais. Quando Cavaco Silva mandou encerrar, em 1990, 700 quilómetros de vias férreas no Alentejo e em Trás-os-Montes sabia bem o valor que tal decisão teria para os negócios da rodovia. Por isso não hesitou.
Um jornal de expansão nacional noticiava, em 2011, que “Portugal foi o único país da Europa Ocidental que perdeu passageiros no período em análise [1990 e 2008]: no mesmo período o número de passageiros aumentou cerca de 30% na França, 53% no Reino Unido e 57% na Irlanda. Entre as causas para a perda de passageiros em Portugal está o encerramento excessivo de linhas complementares, que alimentavam as linhas principais, a falta de investimento no setor ferroviário e o investimento excessivo na construção de estradas e autoestradas. Neste contexto, é de notar que entre 1992 e 2008, por cada euro investido na ferrovia em Portugal, foram investidos 3,3 euros na rodovia”.
Assim, quando se fala da importância da ligação do Ramal da Lousã à rede ferroviária nacional pretende-se, concretamente, valorizar um meio de transporte que é fiável, cómodo, sustentável e do interesse nacional (que só pode ser o benefício dos que por cá se movem).
Grandes são, porém, os interesses em jogo e os lucros que os inspiram. Num tal contexto de guerra ao transporte ferroviário e à mobilidade dos cidadãos, a pobre da Estação Nova está transformada em trincheira. Não por vontade própria – lugar pacífico, responsável por debitar na Baixa de Coimbra, ao longo de décadas, milhares de cidadãos que tinham no caminho-de-ferro o transporte seguro entre os lugares do dia-a-dia.
A Estação Nova não nasceu para ser mártir. Restitua-se-lhe, por isso, o seu papel de lugar de repouso nos caminhos que ligam a serra ao litoral e à Europa toda. Porque pior do que lamentar um apeadeiro junto à Mata do Choupal é permitir que se perca uma estação no centro da Cidade.

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