Opinião: O estado calamitoso do ensino básico nacional

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“É de pequenino que se torce o pepino” (provérbio).

Por estes dias, foi publicado o relatório sobre as provas de aferição de alunos do ensino básico levando-me a revisitar a crítica de Platão que, confrontado com a incapacidade das crianças contarem ou distinguirem os números pares dos ímpares, manifestou o seu muito e amargo desalento: “Quanto a mim, parecemo-nos mais com porcos do que com Homens e sinto-me envergonhado não só de mim, mas de todos os gregos”.
Devia este documento deixar todos os responsáveis por esta calamitosa situação arrasados pelo estado a chegou a educação deste nível de ensino em Portugal em que a escravatura às técnicas pedagógicas deu aso à sedimentação da ignorância científica levando a que “no 5.º ano de escolaridade, na prova de Matemática o conteúdo em que os alunos tiveram mais dificuldade foi o de números e operações com 86.2% de desempenhos negativos (“Público”, 05/10/2017 ).
Haja a esperança de reformas de fundo, e não simples camim que se espalha na face de uma rapariga anémica para parecer uma mocetona cheia de saúde, que nos libertem de um ensino como simples meio de passagem de diplomas de ignorância, paradoxalmente, em oposição à exigência do ensino da antiga União Soviética capaz de colocar em órbitra o primeiro objecto espacial: Sputnik ( 1957 ).
Da supracitada notícia do “Público” extraio um outro exemplo, desta feita, sobre a prova de Português de alunos do 8.º ano de escolaridade, em que “66.5 % tiveram dificuldades, ou de todo não conseguiram, responder a perguntas que visavam avaliar o seu domínio da escrita, o mesmo acontecendo em relação à gramática com 70.3 de alunos”.
Anos volvidos, do “Público” ( 05/08/2011 ) respigo a notícia da reedição francesa do livro “Amor de Perdição” editado em França há uma dezena de anos e difícil de encontrar nas livrarias”. Assim, uma vez mais, se cumpriu o aforismo de que “santos ao pé da porta não fazem milagres”, mas daí a ter-se expurgado a prosa camiliana, “personificação do génio português” (Maria Amália Vaz de Carvalho), dos programas escolares do ensino secundário torna-se em verdadeiro atentado à cultura literária do país mais ocidental da Europa.
Aliás, sempre que falamos de Camilo não podemos divorciá-lo do seu papel de um dos melhores mestres da Língua de Camões desmerecedor do ódio de perdição que lhe dispensaram por omissão nos programas de Português do ensino secundário. Isto porque, a língua materna é o alicerce da forma de nos expressarmos correctamente e que tão necessária é ao literato como a quem diga ou escreva “supônhamos”, a quem em cada três palavras manuscritas dê um erro ortográfico, a quem dê pontapés na gramática com o à-vontade de um Cristiano Ronaldo a chutar à baliza.
É conveniente que se retenha que esta irresponsabilidade se podia ter tornado numa centelha do romance de Ray Bradbury, “Fahrenheit 451”, em que os livros eram incendiados por bombeiros de um regime totalitário para não distraírem as pessoas tornando-as pouco produtivas. Não estou, de forma alguma, a querer ver na proscrição das obras de Camilo um sistema educativo deste cariz. Apenas a pretender dizer que a ignorância oficial e oficializada é, também ela, uma ditadura por roubar ao estudante português o prazer da leitura dos livros de Camilo e, num hipotético contágio epidémico, dificultar ao aluno espanhol a leitura de Cervantes, sonegar ao aluno francês o deleite da visitação ao Museu de Louvre e ao aluno alemão impedir a audição da Orquestra Sinfónica de Berlim.
E se no tempo de Eça, segundo ele, se não lia, folheava-se, na actualidade a maioria dos nossos estudantes lê obsessivamente os jornais desportivos sem sequer folhear obras de referência literária ou científica limitando-se a utilizar a “Wikipédia” para os seus trabalhos escolares como quem se serve de um dicionário de bolso em vez de recorrer a um dicionário Houaiss ou da Academia de Ciências de Lisboa!

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