Opinião – Uma cidade a sobreviver

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Com a mestria habitual a conjugar o conhecimento com seriedade e humor, Carlos Fiolhais escreveu sobre a cultura da cidade: “está tão doente como a malha urbana à beira rio”. Não resisto a juntar-me, mais uma vez, a este grito de inconformismo, à defesa de uma cidade que já foi da ‘Sofia’, mas agora está sufocada pelas ‘consciências’ sem decoro que ignoram as gerações vindouras. Há uma cidade que está a morrer e, tal como um buraco negro, suga a outra cidade que se renova a cada momento! Nada de novo. Basta reler “Nesta Coimbra que amanhece” de Fernando Seabra Santos (já com 5 anos, mas tão atual).
Um percurso pelo bem ‘Universidade de Coimbra, Alta e Sofia”, a comemorar o ‘Dia Internacional dos Monumentos e Sítios’, poderia trazer a este texto maior desânimo, mas basta atravessar a ponte de tirantes e anotar a única intervenção que lhe foi feita: antes Ponte Europa, depois Ponte Rainha Santa Isabel. Da imensa luz que a iluminava, atravessava as nuvens e se perdia da vista no céu visível, restam apenas três pontos de luz, fracos, que não iluminam a suspensão axial, quanto mais o mastro de 90 metros. À boa maneira da terrinha, mudaram-lhe o nome a pensar na proteção da Rainha Santa e não na homenagem a Isabel de Aragão e à fraternidade cristã. Ignoraram, com certeza, que à luz da ciência, muita da força da Rainha provinha do conhecimento do poder curativo das plantas e da anatomia do corpo humano. Fazer a ‘luz’ é outra coisa, é tarefa d’Ele! Isabel foi, é e será, amor.
A cidade está de braços cruzados a escurecer, a perder a sua aparência e a tornar-se num logro. Poderia continuar a metaforizar sobre esta ausência de ‘luz’, mas prefiro assinalar um ano sobre o estudo de diagnóstico prospetivo da Região Centro, “Portugal no Centro”, da Fundação Calouste Gulbenkian. Para que serviu? Um foco para a região (era o de defender a floresta) e, outro para concluir que Coimbra só se conseguirá desenvolver com ambição e com os recursos que conseguir captar. A defesa da cidade é, afinal, a da coesão territorial e do país inconformado, que não se revê nos motivos concentracionários de Lisboa, agora transformada num “Vale do Ave” com a mão-de-obra barata e especializada que desertifica o interior.
Nem a falta de luz na ponte, nem a tinta dos sprays da ignorância carregado de desgosto, desalento, deseducação e desprovido de qualquer sentido de urbanidade, despertam as ‘consciências’! Será que, afinal, os cérebros desabitados que andam a sujar a cidade, estão só a sinalizar o caminho aos que os seguem? Mas que raio, esta escuridão não tem que ser autóctone! A Estação Velha pode ser Nova; a baixa pode regenerar-se; as margens podem abraçar o rio; os silos podem arrumar carros; a arborização pode colonizar a ruina; a barca serrana pode recriar a paisagem; a recolha do lixo pode ser seletiva; as árvores podem partilhar os passeios; os bancos podem voltar aos jardins; os museus-mausoléu podem ser ex-líbris; a videovigilância pode inibir o vandalismo; a mobilidade inteligente pode substituir a decadente; … e, a antiga lógica industrial pode transformar-se numa ilha criativa, numa fábrica de intervenção cultural que ajude a pensar, intervir e alterar o pensamento que segmenta e não valoriza, como acreditarem que o fim de uma obra arquitetónica se esgota no principal uso que lhe é dado, quando as duas curvas despertam múltiplas sensibilidades a quem as observa (é esse o dom sem fronteiras que os arquitetos introduzem na mediação artística). Há quem só veja na ponte 61.000 metros cúbicos de betão e há quem reveja naquela luz fraquinha que mal ilumina o mastro, o espelho da atual ambição estratégica e prospetiva da cidade. Quem o diz é Almada, “Os olhos são para ver e o que os olhos vêem só o desenho o sabe”.

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