Opinião: Notas soltas: Justiça e memória…

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José Augusto Ferreira da Silva

1. Por estes dias decorrem obras de demolição das ruínas existentes no terreno destinado, há décadas, à construção de um novo Palácio da Justiça em Coimbra. É uma boa notícia. Parece -finalmente- ultrapassado pelo lado do Município de Coimbra o pretexto para que o Ministério da Justiça se eximisse à obrigação que assumiu, há cerca de 50 anos, e que tinha a ver com a divergência quanto ao realojamento das pessoas que ali viviam em condições precárias e degradadas. Está, por isso, o Governo politicamente obrigado a dar célere andamento ao projeto e respetiva obra, a que se comprometeu publicamente, há meses, a Secretária de Estado da Justiça e a que, por volta do ano de 2000, o então Ministro da Justiça António Costa se havia comprometido perante os responsáveis da Ordem dos Advogados. O resultado final que agora, finalmente, se perspetiva só foi, porém, possível face ao forte movimento cívico gerado em torno da petição subscrita inicialmente pelas mais altas figuras do poder judicial, do ministério público, da advocacia, dos funcionários judiciais, de professores universitários ligados à arquitetura e ao direito, mas também de comerciantes da baixa, de Coimbra. E estou seguro que este movimento não esmorecerá enquanto a obra não for concluída. Coimbra não admite mais ser defraudada nesta justíssima exigência que não pode estar sujeita a calendários eleitorais.
2. Na última reunião da Câmara Municipal foi aprovado um projeto de edificação de umas dezenas de pequenos apartamentos no que resta do edifício do Teatro Sousa Bastos. Um desfecho triste contra a nossa memória coletiva. E que resultou da omissão grave dos responsáveis políticos municipais das últimas décadas que deixaram aquela sala de espetáculos degradar-se até ao ponto a que chegou, de modo a poderem dizer agora, com lavada desvergonha, que não havia nada a fazer. Havia sim, se fosse feito a tempo e horas. Mas foi sob as mesmas lideranças municipais que a cidade também perdeu o icónico Teatro Avenida levado pela ganância dos promotores imobiliários e que hoje é um espaço totalmente desqualificado. Como também se perdeu o antigo Teatro Tivoli. E não se diga que Coimbra tem, hoje, mais e melhores salas de espetáculo. Umas não substituem as outras e, sobretudo, nada substitui aquilo que foram as vivências de muitas gerações e que constituem a memória coletiva de uma cidade. Que muitos, com especiais responsabilidades, teimam em ignorar e destruir.
3. A reabilitação do Terreiro da Erva foi mais um exemplo de como se ignora a memória e a história, em prejuízo da vivência coletiva e da promoção da cidade. Sabendo-se da existência no local das ruínas da antiga igreja de santa Justa era elementar, como então foi proposto, que se fizessem as devidas escavações arqueológicas com vista a avaliar se se justificava – e era ou não possível – a sua exposição, compatibilizando-a com a necessária obra de requalificação da praça, tornando-a atrativa para os munícipes e para os visitantes, a exemplo do que acontece um pouco por todo o mundo. A maioria camarária viu nisso – como, aliás, em tudo o que saia da vulgaridade – um empecilho. E assim o resultado está hoje à vista. Uma praça igual a tantas outras que pululam por esse país, anódina, sem qualquer atratividade e sem a convivialidade que a proximidade da rua da Sofia podia proporcionar. Com a insatisfação de todos os que ali vivem ou têm os seus estabelecimentos que serão compensados com umas festitas de tempos a tempos para não desanimarem!
4. Foi finalmente lançada a obra de desassoreamento do rio Mondego. Soube-se então pela voz do Presidente da Câmara que, ao mesmo tempo, serão reabilitados os muros. Excelentes noticias que só pecam por tardias. E como é típico em épocas eleitorais, quando coincidem as maiorias, lá veio uma delegação do Governo chefiada pelo Primeiro Ministro animar a cerimónia, com toda a pompa e circunstância. E isso trouxe-me à lembrança, como seguramente à de muitos dos meus concidadãos, a questão das cheias de 2016 e a exigência de reparação dos danos causados pelos responsáveis então feita pelo Presidente da Câmara. Responsáveis esses, designadamente a EDPD, identificados no relatório conhecido cerca de um ano depois. Mas sobre isso, como se esperava, tem-se feito um silêncio ruidoso. E os cofres públicos, municipais e centrais, lá suportarão os prejuízos. Tudo como de costume.
Haja Justiça na memória!

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