Opinião – Um e outro (parte 2 )

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Norberto Canha

 

Noutro tempo, sempre houve ou já havia, o Serviço Nacional de Saúde, que era gratuito, para todos os que não tinham meios. Bastava uma declaração do presidente da Junta de Freguesia ou do padre, ou dos dois simultaneamente, para que isso acontecesse e ficava incomensuravelmente mais barato. Basta dizer que a pedido dos colegas fui director e cirurgião do Hospital da Santa Casa da Misericórdia de Pombal, de que era mesário o Doutor Jorge Ulisses, economista. O Estado dava (quando dava) apenas 200 000 escudos (note-se que um automóvel R8 custava 38 000 escudos).
Veio o 25 de Abril, a partir daí até ao final do ano, gastaram-se e ficaram a dever-se 7 500 contos e não melhorou a assistência. Melhoraram sim as reivindicações e o medo.
No um, qualquer doente podia ser internado de urgência por: urgência, ensino e investigação. Na urgência, em qualquer das enfermarias. Hoje, é um sacrilégio se isto se fizer. Vai-se à urgência, os doentes já estão em macas porque não tem camas para se deitarem. Isto resulta de qualquer coisa que não funciona bem. É que noutro tempo ia o médico ao doente e agora vem o doente ao médico, isto é, a urgência.
Nos Hospitais da Misericórdia, havia, com presença ou de chamada, médico e cirurgiões, cujos proventos que tinham eram dos doentes privados ou englobados pelas caixas. Cito como exemplo que os estudantes (era eu estudante), em caso de doença não tinham direito a assistência. A direcção da Académica falou com o ministro das Corporações (que tinha sido estudante em Coimbra), que no sector dos quartos do Hospital da Universidade disponibilizou, creio que 12 camas para internamento dos estudantes, gratuitamente. Hoje, é o CHUC, e os estudantes não têm qualquer benefício. E até salas para aulas práticas estão transformadas em arquivos ou gabinetes, como que os estudantes de Medicina sejam os mal-amados e já não falo dos outros.
Enquanto diretor do velho Hospital, que transitou para o novo e mantinha no novo, os estudantes de Medicina eram uns bem-amados. Hoje, são sequestros e o número de estudantes de Medicina aproxima-se dos 300 por ano.
Porca miséria, como se dizia na minha república “Os Milionários” quando as coisas não corriam tão bem como desejávamos. Ainda por cima, têm que escrevinhar no computador, os médicos não têm tempo para olhar para os doentes e os doentes começam a não gostar dos médicos e a atribuir as culpas ao que está a acontecer. Como é que eles poderão olhar para os doentes se estão a escrevinhar no computador? E é assim, que na estatística de apreço dos consumidores ou utilizadores estão em primeiro lugar os aviadores (eu tenho sorte que fui também aviador), em segundo lugar ficam os bombeiros, em terceiro os enfermeiros e em quarto os médicos. Eu assisti a uma consulta e o computador, a princípio parecia amuado – não havia energia elétrica. Passado uns bons minutos, havia energia elétrica mas estava sobrecarregado e passados vinte minutos, a primeira coisa que saiu do computador foi o que tinha gasto em medicamentos, análises e imagiologia ao médico. Justifica-se porque o Senhor Secretário de Estado da Saúde, num congresso nacional de Ortopedia no Porto, fez uma intervenção em que exaltou a estatística e não a satisfação dos doentes. Isto é o outro atual.
Mas prosseguindo no outro, há falta de operações por falta de anestesistas, mas na Suécia, e também em Lourenço Marques, o anestesista anestesiava em três salas, senão terá qualquer utilidade o enfermeiro de anestesiologia? Isto é mais uma prova de que os legisladores julgam que estamos entre anjos e fazem uma legislação restritiva que se vai traduzir em pior qualidade da Medicina. Eu, olhando apenas para o rosto do doente, pude nalgumas circunstâncias diagnosticar se o doente estava a mentir, se estava a encobrir, se estava a tirar proveito da simulação. Eu mesmo, se estivesse nos HUC, exigiria ao lado uma secretária, para que olvidar a que isto acontecesse, e que os doentes, por encurtamento do atendimento têm menos apreço por mais apreço quem deveriam ter. A culpa é da máquina, dos órgãos da tutela, começando pelo conceito de excelência.

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