Opinião – Que mundo tão desigual, meu Deus!

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Nos últimos tempos, os portugueses têm sido bastante críticos do seu Serviço Nacional de Saúde (SNS), por razões que têm sido amplamente discutidas. Como é do conhecimento de quem me acompanha nesta coluna de opinião, eu próprio, certamente mais conhecedor da realidade por dentro, tenho sido cáustico na discussão de alguns aspetos que considero menos bons, mesmo tendo em conta que o SNS tem sido frequentemente classificado como um dos melhores serviços públicos de saúde do mundo. De facto, a ordenação da Organização Mundial de Saúde tem-no classificado entre os 20 primeiros desde a última década para cá!
Então temos razão para ser críticos? Certamente que sim, porque não é ilícito querer sempre melhor. E podemos e devemos fazer melhor! Contudo, a maior parte da população deste mundo em que vivemos está muito pior do que nós. No momento em que estou a escrever este comentário, encontro-me em Amã, na Jordânia, juntamente com outros sete elementos voluntários da área médica, a maior parte do Hospital da Universidade de Coimbra, em missão humanitária destinada a operar bebés e crianças com doenças cardíacas congénitas, provenientes dos campos de refugiados sírios neste país. São mais de 650 mil refugiados a viver em condições precárias!
Esta é a quarta missão deste género que aqui fazemos. Tratamos de gente muito pobre, que quase nada tem e que só deste modo tem acesso a um tipo de tratamento que apenas os afortunados que vivem nos países desenvolvidos normalmente têm. A missão benemerente que estamos a desenvolver realiza-se num hospital privado para o efeito contratado pela Cadeia da Esperança francesa, que coordena este programa com apoio financeiro da União Europeia, a que a Cadeia da Esperança Portugal, a que presido, deste modo se associa.
Este hospital particular está longe de ter as condições técnicas a que estamos habituados no nosso País. Mesmo assim, a ele só têm acesso os mais ricos do país onde estamos. Não tenho conhecimento suficiente para comentar o que se passa nos hospitais públicos, mas posso assumir que só podem ser inferiores. Certamente, muito inferiores aos nossos. A cirurgia cardíaca só se faz na Jordânia em 2 ou 3 hospitais e, mesmo assim, em quantidades reduzida.
É certo que a Jordânia está longe de ter a capacidade económica que tem a maior parte dos países da nossa Europa, mesmo incluindo Portugal. Mas também não é um país que possa ser classificado como pobre. Tem, é certo, grandes diferenças sociais que resultam numa enorme disparidade de acesso aos bens essenciais, neste caso a saúde.
A missão que aqui nos traz destina-se precisamente a tratar de doentes que, de outro modo, não teriam qualquer acesso a estes cuidados altamente especializados. Apesar de tudo, temos tido um apoio profissional bastante eficaz do pessoal do hospital que nos trata com grande simpatia e amizade, apesar das grandes diferenças culturais e, naturalmente, religiosas. Desse ponto de vista, quase nos sentimos em casa. Mas, como seria de esperar, a relação com os familiares dos nossos doentes, tendo especialmente em conta a sua idade, é para nós motivo de alguma ansiedade, também por causa das diferenças de língua. Quase nenhum deles fala inglês, aqui a nossa língua oficial, e nunca temos a certeza de que os tradutores transmitem exatamente as mensagens que queremos fazer passar. Por outro lado, é difícil imaginar qual virá a ser a reação dos pais e outros familiares se alguma coisa correr mal.
Pelo contrário, não foi a primeira vez que fomos obcecados com uma caixa de chocolates comprada ali ao lado por um pai que assim deixou de ter com que pagar o próprio jantar! Como é natural, o nosso sentimento é misto: de gratidão e de comiseração! Mas esta constatação de tamanha desigualdade deveria ajudar-nos a compreender que temos o dever de ser felizes com o que temos e a ser mais tolerantes quando alguma coisa que damos por adquirida nos falha.
Neste mundo em que vivemos, nada é perfeito.

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