Opinião – Meninos tristes

Posted by
Spread the love
Francisco Queirós

Francisco Queirós

“Onde quer que haja guerra, há uma cruzada de crianças”, escreveu Brecht referindo-se às mais jovens vítimas da segunda grande guerra. Mas a afirmação é de uma verdade tremenda nos nossos dias, tempo em que a guerra a direitos fundamentais não pára, vitimizando os mais frágeis e de modo ainda mais cruel os velhos e as crianças.

Notícias dos últimos dias dão-nos conta de uma menina de 12 anos internada num hospital, depois dos professores se aperceberem de que poderia estar grávida. A menina, comprovou-se entretanto, foi vítima de abusos sexuais pelo padrasto durante cerca de dois anos e está grávida de 20 semanas.

No momento em que escrevo estará reunido o comité de especialistas que se debruçam sobre o futuro da criança, a continuação da gravidez ou o aborto. Obstetras, pediatras, pedopsiquiatras e psicólogos avaliam a situação. Entretanto, a mãe da menina foi constituída arguida por eventual conivência com o violador e pela não denúncia do crime do companheiro.

O drama ocorre em Portugal, mas podia suceder em países mais ricos. A gravidez na adolescência é um grave problema na Inglaterra, por exemplo. Mas este drama não pode deixar de ser desligado de toda a política de protecção às crianças e jovens deste país e ocorre precisamente quando se reduzem os meios das Comissões de Protecção de Crianças e Jovens.

O drama da menina de 12 anos surge nas primeiras páginas dos jornais de um país onde um terço das crianças estão em risco de pobreza, risco que sobe, segundo a UNICEF, para 41,2% nas famílias numerosas. Decorridos 41 anos da revolução e 39 da promulgação da Constituição da República que consagra os direitos fundamentais, as crianças em Portugal constituem o primeiro grupo etário em risco de pobreza e são as principais vítimas das políticas económicas e sociais, do desinvestimento na protecção e segurança social.

A redução das prestações sociais às famílias atinge-as fortemente. As crianças são vítimas da pobreza em termos materiais e psicológicos. Hoje em Portugal há cada vez mais crianças que passam fome. Mesmo se alguns palermas afiançam que só passa fome quem quer. As crianças não querem ou não têm querer.

O vandalismo do governo, enfeudado à troika e ao neoliberalismo, provoca muitas vítimas. Como se não bastasse o desinvestimento na segurança social, a destruição de serviços públicos é sobretudo penalizadora para os mais frágeis desapossados de centros de saúde próximos.

Os maus-tratos que as politicas neoliberais têm provocado às crianças deixarão marcas profundas num país em regressão. Manuel da Fonseca sabia. “Depois quando/ com o tempo/ a criança vem crescendo/ vai a esperança/ minguando. E ao acabar-se de vez/ fica a exacta medida/ da vida/ de um português. /Criança/ portuguesa/ da esperança/ na vida/ faz certeza/ conseguida. / Só nossa vontade/ alcança/ da esperança/ humana realidade.”

Meninas e meninos sem oportunidades de serem crianças. Mesmo que sejam os meninos e meninas de cabecinhas boas como no poema de Cecília Meireles. “Cabecinha boa de menino triste, / de menino triste que sofre sozinho, / que sozinho sofre, — e resiste, / Cabecinha boa de menino ausente, / que de sofrer tanto se fez pensativo, / e não sabe mais o que sente…/ Cabecinha boa de menino mudo/ que não teve nada, / que não pediu nada, / pelo medo de perder tudo./ Cabecinha boa de menino santo/ que do alto se inclina sobre a água do mundo/ para mirar seu desencanto./ Para ver passar numa onda lenta e fria/ a estrela perdida da felicidade/ que soube que não possuiria.”

Os meninos e meninas merecem outro futuro. E tê-lo-ão, pela nossa vontade que alcança da esperança outra humana realidade.

One Comment

Leave a Reply

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

*

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.