Opinião – A arca da Maria Luís

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Francisco Queirós

Francisco Queirós

Naquele tempo, os cofres encontravam-se a abarrotar. Atestados de dinheiro e ouro. Atulhados de títulos e outros valores do tesouro. Os governantes regozijavam-se e compraziam-se em público. Benditos homens, iluminados por Deus, que tão bem serviam a Nação!

E o povo? Bem, o povo tinha dias. Ou, em boa verdade, havia vários tipos de povo. Um povo mais resignado. Outro povo incomensuravelmente grato. Outro povo ainda mal-agradecido – há cães que não conhecem o dono e há quem pontapeie a gamela onde come. Em todos, ou quase, porém, doía a fome até se colar a barriga às costas.

Uma sardinha a compartir por vários. Umas sopas de cavalo cansado. Os pés descalços com uma sola de pele mais rija que a calçada portuguesa.

Escola? – coisa pouca… De quatro anos obrigatórios dos desvarios da República, coisa de maçons, conquistaram-se os três anos e os regentes escolares. Mais que suficiente!

Quanto bastava para aprender a juntar umas letrinhas, fazer umas contitas e sobretudo a aprender a temer a Deus, a honrar a Pátria e a respeitar a Autoridade.

Os cofres estavam pejados! O ouro amealhado atiçava inveja aos povos desregrados e perdulários de terras sem fé, como essas lá para o norte da Europa. Por cá, todos bem com uma casinha modesta.

Pão, por vezes, e vinho sobre a mesa num país de arcas ricas. Pouco importava a tuberculose, essa doença que Salazar imputava aos desmandos da indústria, à promiscuidade e devassidão dos bairros operários. Pouco importava a mortalidade infantil.

Crianças paridas à pressa no intervalo de mondas e ceifas, ou depois de dez ou mais horas de trabalho na fábrica, ou sabe-se lá como. E depois a medrarem para aí, ao deus-dará. Por vezes, Deus dava. Por vezes, Deus tirava. Deixá-lo! Éramos ricos. Só não sabíamos.

Eram tempos distantes dos de anos depois. Quatrocentos mil emigrados à compulsão da crise, desemprego, fome de novo, salários, subsídios e pensões esbulhados. Um povo na miséria, num país rico! Deixá-lo! A arca da Maria Luís está de novo farta. Dinheiro em abundância. Mas guardadinho. Ou a repartir por quem o sabe aplicar.

Ah, Joaquim Namorado…há de novo Editais pelas ruas do país! “ Edital. Foi afixado /nos locais do costume /que É PROIBIDO MENDIGAR. / Logo mão que se descobre escreveu a tinta por baixo / MAS NÃO É PROIBIDO SER POBRE.”
Um país de cofres recheados – conclamou a ministra!

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