Opinião – Setembro Vermelho, o romance da crise académica de 1969

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Rolando SilvaRolando F. Silva

Coimbra não ocupa um lugar primordial na ficção narrativa portuguesa do século XX, no que diz respeito à cidade como musa inspiradora, pois ficou sempre mais conhecida pela sua ligação à poesia e ao fado (Miguel Torga, Manuel Alegre, Adriano Correia de Oliveira, José Afonso, por exemplo) do que propriamente à prosa literária, embora tenha albergado nos anos 40 um dos berços do movimento neorrealista português.

É por isso que um romance como “Setembro Vermelho”, que coloca Coimbra e o movimento académico de 1968/1969 no seu centro, ocupa desde logo um lugar importante, na sequência de dois dos mais famosos textos que também têm Coimbra como cenário principal: “In Illo Tempore”, de Trindade Coelho (datado de 1902 ) e “Fogo na Noite Escura”, de Fernando Namora (de 1943, mas refundido em 1961 ).

“Setembro Vermelho”, editado em 2012, mas cuja ação se reporta aos anos de 1968 e 1969, pode ser considerado como um romance histórico e, porventura, também com uma forte componente autobiográfica (Cândido Ferreira atravessou, na alvorada dos seus 20 anos, toda a sequência dos acontecimentos que ocorreram entre a famosa queda da cadeira de Salazar e a greve da academia aos exames da primeira época, em 1969 ).

O seu narrador e herói principal é Ulisses (nome que certamente não foi escolhido por acaso), um estudante recém-chegado de Paris logo a seguir ao Maio de 1968 (o que também não é uma coincidência) e que se vai matricular no curso de História da Faculdade de Letras e viver numa república de estudantes da alta coimbrã.

O que faz desta narrativa um romance histórico é o facto de acompanhar passo a passo a cronologia dos acontecimentos, desde a organização e o envolvimento do movimento estudantil na sua mobilização para ganhar as eleições para a direção da sua Associação Académica, até à indignação e ao protesto por não ser dada voz ao representante dos estudantes na famosa inauguração do Edifício das Matemáticas, no dia 17 de Abril de 1969.

A sequência narrativa, a partir deste acontecimento, transforma-se numa crónica vertiginosa de movimento e ação que agarra o leitor e o obriga a continuar a leitura até às últimas páginas.

Contudo, o seu epílogo obriga Cândido Ferreira a fazer uma viagem no tempo, até ao 25 de Abril de 1974, pois não era possível, depois de se exigir nas ruas uma nova universidade e uma nova sociedade, regressar aos tempos de chumbo do marcelismo e da guerra colonial, como se nada se tivesse passado e era preciso encontrar uma solução coletiva para o problema da realização da felicidade pessoal dos seus protagonistas.

É por isso que o poeta Rui Namorado conclui o seu poema ao 17 de Abril de 1969 com os seguintes versos premonitórios:

(…) “nos pátios tão augustos dos saberes/uma pequena luz foi inventada/sem o sabermos fomos a semente/do vento que chamou por outros ventos.”

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