Opinião – Adágios

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Aires DinizAires Antunes Diniz

Li há poucos dias um livro de análise de adágios, que são pequenas frases de pensamento conciso. Diz-me um dicionário. Trata-se do resultado de uma continuada (re)construção popular do saber e de uma memória transformada de momentos difíceis como têm sido os momentos inquisitoriais, como o demonstra Ladislau Batalha, que é alguém que bem os conhecia, mas que nós tentamos demasiadas vezes esquecer. E os saberes que os adágios transportam são adaptados a cada momento e por isso há um que nos diz:

 

“Quem não viu Coimbra,

Não viu coisa linda”

 

Na verdade, a vinda da Universidade para Coimbra foi também contemporânea da implantação em Portugal da Inquisição. Mas, esta é só algo que distorce a forma de pensar e de decidir, que se impõe sem dar a ninguém a possibilidade de contestar as resoluções de chefes. São os que muitas vezes se assumem como tal sem qualquer resquício de legitimidade. Fazem-no até com o aceno do castigo a quem discordar e a pena pode ser o despedimento. Continua-se o tempo inquisitorial em que os amigos desejavam: “Deus te veja vir, com as pernas a bulir” pois significava que não tinham perecido nos cárceres da Inquisição. Contudo, agora, há quem use os adágios no seu dia-a-dia, mas que não sabe qual o seu significado inicial e, claro, que o esquece por nunca o ter sabido.

Por outro lado, se não temos formalmente uma inquisição, temos uma propaganda ativa, que desarma e aniquila qualquer movimento de contestação com o argumento de que há uma lei que impõe o absurdo. Assim, muitos ascendem a lugares de comando sem terem o saber suficiente para que as suas decisões possam ser aceites como boas. Também a leitura de um livro recente sobre a Inquisição, remete-nos para os medos gerados por condenações sem justificação, mas sempre com base em denúncias de gente velhaca, que aproveitam a ocasião para enriquecer à custa da desgraça alheia. Também os jornais nos vão dando notícia de decisões erradas como as do Metro do Porto, que tornam quase impossível qualquer saída da presente crise financeira que, logo nos apontam como algo que acontece por culpa nossa.

Entretanto, outras notícias, fruto das renovadas novas tecnologias, são saudadas calorosamente no Facebook, dando-nos conta da prisão de um autarca que vai continuar a comandar a sua “câmara” à distância de um click. E parece que não se trata de erro judicial por desatenção. É só o resultado de uma interpretação estranha mas possível da lei. Estamos assim entre forças contraditórias umas que fazem do silêncio a alma dos seus negócios perversos, outras que fazem da denúncia de casos de injustiça o caminho para uma sociedade mais justa. E só porque mais racional e transparente.

Talvez isso traga verdade e realidade ao adágio:

 

“Quem não viu Coimbra,

Não viu coisa linda”

 

Assim “Deus nos veja vir, com as pernas a bulir”.

 

1 – Ladislau Batalha – História Geral dos Adágios Portugueses, com um estudo preambular do Dr. Agostinho Fortes, editora Livrarias Aillaud e Bertrand, Paris-Lisboa, 1924.

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