Em defesa do Serviço Nacional de Saúde

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Joaquim Valente

Com a Constituição Portuguesa de 1976 instituiu-se em Portugal o Serviço Nacional de Saúde (SNS) cuja característica global é a universalidade, cabendo ao Estado criar uma organização de prestação de cuidados de saúde e garantindo o seu acesso a todos os cidadãos em regime de gratuitidade.

O Estado deve mobilizar os recursos necessários indispensáveis ao funcionamento e realização do SNS num conteúdo extremamente amplo de prevenção, mas também nos cuidados médicos gerais e específicos, e na aquisição de medicamentos, baseado no princípio constitucional de que a saúde é um bem social, e o Estado através das receitas dos impostos é responsável pelo seu funcionamento e regulação.

Anteriormente a 1976, a legislação estava quase sempre relacionada com a saúde pública enquanto “política sanitária” limitada aos serviços médico-sociais da previdência só abrangendo os respectivos beneficiários.

Ao longo dos anos tem-se verificado um aumento sistemático das despesas com a saúde, em parte resultantes de uma população envelhecida, e de utentes mais informados que acedem aos cuidados de, com uma evolução tecnológica rápida e constante, que aumentam a eficácia e a eficiência nos tratamentos embora mais dispendiosos, a par de uma deficiente organização no sistema.

Isto leva a uma crescente pressão sobre os custos da saúde, sendo o desafio actual o controle das despesas, sem reduzir a qualidade, a eficiência e o acesso aos serviços prestados, com a manutenção dos objectivos do SNS e com a satisfação dos profissionais e dos cidadãos em geral.

Por influência do pensamento neoliberal introduziu-se a concorrência entre os prestadores de cuidados de saúde, com o argumento de que se obtinha maior eficiência e eficácia, mas a prática tem demonstrado que o recurso aos mecanismos do livre mercado tem sido feito sem a necessária ponderação o que representa uma ameaça séria.

Hoje o SNS tem novos problemas de financiamento; exemplo é o aumento das taxas moderadoras e a limitação à prestação dos cuidados de saúde, e prevê-se um aumento da procura dos serviços médicos públicos havendo no entanto já um retrocesso quanto à qualidade dos serviços prestados e abrangência populacional, num período de fraca coesão social.

As estratégias para mitigar a presente crise podiam ser oportunidades para o sistema de saúde se reformar dentro dos objectivos do SNS, e não apenas meros exercícios orçamentais de equilíbrio de receitas e despesas podendo estar em causa o enfraquecimento de valores democráticos essenciais à vida em comunidade.

A insegurança quanto ao futuro, os índices elevadíssimos e exponenciais do desemprego e a pobreza generalizada, tudo se conjuga para que a própria saúde individual das pessoas seja afectada, levando a uma maior procura dos cuidados de saúde, ou à não procura, como já acontece por dificuldades económicas.

A Organização Mundial de Saúde aconselha os países … “Antes de olhar para onde cortar nos gastos em saúde, olhem primeiro para as oportunidades de aumentar a eficiência …”

Pelas manifestações recentes da sociedade, é notório que o cidadão comum deseja preservar o SNS, como um bem público e parte integrante do modelo civilizacional europeu, devendo-se para isso assegurar a respectiva sustentabilidade de modo a ter presente não só as necessidades do momento presente como as das gerações futuras.

Há a percepção por parte das pessoas de que o direito constitucional à saúde, está posto em causa em termos de equidade, solidariedade e inclusividade, quanto à selectividade dos apoios do Estado Social.

A Autoridade Reguladora de Saúde, deu a conhecer os principais factores das insuficiências do sistema de saúde em Portugal, por isso compete ao Estado estabelecer os objectivos, metas e medidas para as ultrapassar dentro dos princípios constitucionais e não meras atitudes de emagrecimento dos custos numa visão de mercado concorrencial.

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