Cristina Robalo Cordeiro em entrevista

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Foto de Gonçalo Manuel Martins

É com um programa sob o lema “Pensamento em ação” que Cristina Robalo Cordeiro, mulher de letras, cultora da língua francesa e vice-reitora há oito anos, se candidata à Reitoria da Universidade de Coimbra. Afirmando a necessidade de valorizar o que distingue a sua universidade, a candidata – que poderá ser a primeira mulher a assumir o cargo – aposta na criatividade para vencer desafio.

Vive-se um tempo decisivo para o país e para a universidade. Propõe-se assumir a reitoria da Universidade de Coimbra neste início de década. Com que projeto?

Infelizmente, nós não escolhemos o nosso tempo. E este tempo não é favorável, o momento não é favorável, é um tempo de crise para Coimbra, para o país, para a Europa e para o mundo. Nós não escolhemos o nosso tempo, mas é este o meu tempo, este é o momento em que me sinto capaz de assumir a responsabilidade de ser reitora da Universidade de Coimbra. Desde logo, por ter estado na Reitoria, com projetos em curso desde há oito anos, que gostava de levar por diante, na área da internacionalização, na área do ensino e da pedagogia, as áreas às quais estive mais ligada. Mas também, justamente, gostava de ter uma intervenção em áreas que não foram as minhas e que são neste momento fundamentais e que têm de marcar a diferença na Universidade de Coimbra.

Que áreas fundamentais são essas?

Desde logo, a área da investigação e de, certa maneira, também a cultura. Eu entendo que a investigação, e o ensino, e a inovação, toda a relação com a sociedade, são consideradas as grandes missões, os grandes pilares de qualquer universidade e é evidentemente para elas que nós devemos olhar duma forma prioritária e com toda a atenção. Mas eu quero também valorizar aquilo que distingue a Universidade de Coimbra.

E há muito a distinguir a Universidade de Coimbra?

Há. E uma das coisas que distingue é a área alargada da cultura. E quando eu falo da área da cultura, falo de algo muito abrangente, que deve inseminar e fertilizar a investigação, o ensino, toda a relação com a sociedade, a inovação. Estou a falar no fundo de um tecido de criatividade que a Universidade de Coimbra deve promover de uma forma mais afirmativa do que tem feito até agora. Portanto, a cultura é para mim um pilar, a par de todos os outros, estando todos eles, necessária e forçosamente, na linha da internacionalização.

Internacionalização que se assume hoje quase como uma inevitabilidade?

É um facto. Eu não posso entender, para voltar à ideia dos grandes pilares, nem a investigação, nem o ensino, nem a inovação, nem a cultura, sem ser numa perspetiva internacional. Coimbra tem a vantagem de ser uma das universidades do país com uma dimensão internacional mais forte, pelo seu nome, pela sua idade, pela sua história. Este é, à partida, um trunfo que Coimbra pode e deve jogar, e que tem jogado. Ao longo dos últimos anos, os saltos qualitativos que nós demos na área da internacionalização foram muito grandes e em várias frentes: na mobilidade dos estudantes, dos intercâmbios, mas também das parcerias com outras universidades, do trabalho em rede, da criação de programas comuns, de mestrados, de doutoramentos. Enfim, há uma série grande de iniciativas, que cobrem as diversas áreas da universidade, no domínio da internacionalização, que têm de ser continuadas.

Fala do espaço europeu ou de um espaço mais alargado ainda?

Há quem considere que já não se deve falar de internacionalização, mas muito mais de globalização. Porque o espaço europeu é o nosso, nós aderimos a Bolonha, estamos sintonizados com as reformas, com as transformações que Bolonha veio trazer. De certa maneira, estar em Coimbra, significa estar na Europa. Na Europa, nós estamos inter pares e temos de continuar a estar, porque as universidades europeias são parceiros fundamentais.

No espaço europeu, há ainda muito a fazer?

Há muito a fazer, mas já começou a ser feito. Um dos pivôs pode e deve ser o trabalho em rede. A Universidade de Coimbra faz parte de redes europeias (e mundiais) de grande prestígio, com universidades que estão na linha da frente de todos os rankings internacionais. Dois dos nossos parceiros privilegiados são Oxford e Cambridge, universidades de topo dos rankings mundiais. Mas há outras universidades europeias e este trabalho em rede significa uma harmonização e o desenvolvimento de um trabalho personalizado.

Também não há universidade sem alunos?

Não há universidade sem alunos, eles são uma das grandes razões de ser da universidade. Dai que seja preciso olhar tudo o que temos feito na área do ensino e da pedagogia com um olhar crítico. Nós estivemos nos últimos anos em processo de transformação para entrar no espaço europeu do ensino superior, adaptamo-nos a Bolonha, Coimbra entrou na hora de Bolonha, esses passos foram fundamentais, foram dados com cautela, com rigor, com exigência, com qualidade. Julgo que chegou o momento de nós avaliarmos o modo como as coisas correram, avaliarmos os grandes princípios que Bolonha vem propor. A forma como eles têm de ser adaptados pode obviamente ser mais problemática. Chegou o momento de olhar com atenção para o que estamos a fazer, de fazer uma ponderação, uma auto-análise e de, eventualmente, afastando-nos ou mantendo-nos no rumo que foi traçado, desenhar o que podemos designar por “Estratégia de Coimbra”.

Que pilares terá a “Estratégia de Coimbra”?

A partir de uma reflexão alargada a todo a comunidade académica, deve estabelecer-se o entendimento de quais devem ser as competências dos estudantes em cada um dos ciclos. Definir muito bem o que é o primeiro ciclo, o segundo ciclo e o que é o terceiro ciclo. Definir muito bem as regras para as licenciaturas e para os mestrados. Tentar, de certa maneira, atuar junto da tutela para que estas designações de alguma maneira enganadoras possam vir a ser alteradas. Saber quais os limites mínimos para a qualidade do ensino e a aprendizagem dos estudantes. Rever a duração dos ciclos. Repensar muito bem os mestrados. Revalorizar os segundos ciclos, os mestrados, que perderam muito do seu prestígio com a entrada em Bolonha. E, depois, largamente, incentivar a criação de terceiros ciclos. Se queremos ser uma universidade de investigação, temos de valorizar os doutoramentos numa base interdisciplinar e transversal.

Na convivência que defende entre cultura e ciência?

Exatamente. Não entendo que seja possível sequer falar de fronteiras e de duas áreas distintas, porque ambas fazem parte de uma mesma missão, ambas devem ser cruzadas e fertilizar a nossa atitude, a nossa postura enquanto docentes e investigadores na Universidade de Coimbra. Por isso também defendo para os alunos do primeiro ciclo, qualquer que seja a área de formação, a possibilidade de fazerem cursos de línguas, unidades curriculares na área da cultura científica, técnica. Não esquecendo igualmente os valores morais, éticos e para a cidadania. Temos de respeitar a diversidade do que somos e temos de conviver com ela de uma forma harmoniosa: oito faculdades, dezenas de centros de investigação, unidades orgânicas, todos com o seu modo de funcionamento, com a sua especificidade, mas todos elementos do mesmo corpo. Todos devem contribuir para a mesma missão, um desiderato de qualidade, de investigação, de intervenção da Universidade de Coimbra numa magistratura de influência.

A tutela tem de olhar para Coimbra de forma diferente

Magistratura de influência que é preciso restaurar?

Que é preciso restaurar em consonância e em diálogo com a cidade. Coimbra, a cidade e a universidade estão neste momento a lutar com os mesmos objetivos e para as mesmas finalidades. E quando digo Coimbra cidade, digo Coimbra património, mas também Coimbra cultura, com tudo o que Coimbra significa, na sua vivência integradora e que deve conviver com a universidade.

É preciso encontrar novas formas de financiamento para a universidade?

Era mais simples se o tempo fosse de maior desafogo. Mas as dificuldades também são desafiadoras. São oportunidades para encontrar alternativas. É preciso, como tem sido feito, continuar a insistir junto da tutela para que olhe para Coimbra de uma forma diferente, porque Coimbra não é uma universidade igual às outras. É preciso que haja essa consciência.

Que não tem havido?

Que não tem havido, apesar dos esforços desenvolvidos por esta Reitoria e pelo reitor Seabra Santos. Mas também é preciso ter consciência de que temos de diminuir as nossas despesas e procurar tornar o mais possível rentáveis os nossos serviços. E, depois, é preciso aumentar as nossas receitas.

De que forma se aumentam receitas?

Se nós valorizarmos a criação de conhecimento, é possível fazer a transferência desse conhecimento e torná-lo depois rentável. Tudo passa pelo saber. E, depois, a prestação de serviços. Continuar a fazer o que já fazemos, mas fazer mais com alguns meios que ainda nos faltam. Ir atrás de financiamentos europeus, internacionais. Fazer mais concursos, mais projetos, mais programas. Ter estruturas de apoio a projetos europeus, nacionais, internacionais que possam sustentar a investigação, porque é muito preciso que os investigadores sejam cada vez mais libertados das tarefas burocráticas, administrativas, que lhes roubam tempo, energia e criatividade.

Um comentário ao abandono dos alunos por via das alterações às bolsas?

Tem de haver da parte da Reitoria uma maior atenção à ação social escolar. A Universidade de Coimbra é a única no país que dá aos estudantes, aos melhores e mais carenciados, grandes possibilidades de continuar. Temos de seguir nesse caminho, se calhar aumentando essa margem de apoio. Mas há outras questões, como a do aumento da qualidade do ensino e de novas oportunidades para os nossos estudantes, com um regime tutorial, maior exigência nas coordenações dos cursos. Com menor insucesso, menor será o abandono.

Assumir a Reitoria da UC é um desafio, mas de continuidade?

Estou aqui há oito anos em dedicação “excessiva” e proponho-me continuar porque há um trabalho a ser continuado e ainda muitas coisas a fazer. Eu entendo que posso honrar os compromissos assumidos, consolidar o que é preciso consolidar, retificar coisas que estão a funcionar menos bem. E introduzir mudanças, inovação, a marca de cada um de nós.

Marca que passa também pelo facto de ser a primeira mulher a poder assumir o cargo?

Não quero ser eleita por ser mulher. Não acontecerá, não faz sentido. Mas não posso deixar de dizer que me sinto honrada pelo facto de ser a primeira mulher, com grande entusiasmo e coragem para o fazer. E que isso é também algo de desafiante neste percurso e nesta minha ousadia.

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